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Game of Thrones made in Brazil parte 2: a submissão feminina

Mulher sofre com a fama de sedutora. Uma menina encanta com seu olhar, sua inocência, seu jeito meigo e seu abraço, mas é só aparecerem os primeiros sinais de maturidade e pronto: independente de seu carácter e personalidade, resume-se a doce jovem a mais uma devassa apta a fazer gato e sapato dos homens que a admiram. Não é a toa que, até poucas décadas atrás, ao atingir a puberdade, essas mocinhas eram entregues a seus prometidos maridos, tudo para não ter tempo de conhecer o poder que emanava de seus espíritos.

Essa concepção de mulher como moeda de troca é antiga, e para conter os ânimos das mais ousadas a Inquisição fez sua parte. Acuadas, mulheres não se atreveram a lutar por seus direitos, ainda mais quando isso significava perder, de forma horrenda, a própria vida.

E assim roubou-se delas o direito à escolha. Peões em um jogo de xadrez, podiam ser oferecidas para acertar as contas de pais endividados ou casadas com filhos dos inimigos, alianças para conter conflitos ainda maiores. Se naquela época mulheres pudessem escolher com que dividir os leito, muito lorde teria morrido sem herdeiro, daí a necessidade de mantê-las sob tutela e entregá-las a seus maridos tão logo pudessem reproduzir pois a única forma de garantir a legitimidade de um herdeiro era contar com a virgindade de sua mãe.

Game of Thrones retrata a força implacável que colocou as mulheres na posição de submissão, mas também dá uma ponta para as insistentes Joannas D’Arc que erguiam uma espada e usavam armaduras, assim como os homens, lutando por seus ideais.

Esse apoderamento do direito feminino, que teve séculos de duração, ajuda a explicar por que a mulherada de umas décadas para cá vem deixando a passos largos a frente de um fogão. O que começou com a escolha de maridos ganhou direito ao voto, aos bancos acadêmicos e às mais diversas profissões, tudo de um jeito meio tímido no início mas que rapidamente ganhou adeptas e isso incluiu a decisão de não usar os ovários para fins reprodutivos. Dados recentes indicam que uma em cada 4 mulheres classe A e B no Brasil não terão filhos ao chegar aos 40 anos, e as outras 3 não parecem muito entusiasmadas a criarem mais de um herdeiro, pessoa que, vejam só, nem sempre ostenta o registro de um pai. Aliás, nessa vista à Idade Média proporcionada por Game of Thrones, mulher grávida sem marido, independente sob quais circunstâncias, despedia-se para sempre da dignidade, situação que condenava a criança à ausência de paternidade, realidade largamente mostrada na serie que mostra como podia a vida ser cruel com um bastardo, indivíduo que crescia ressentido por não ter tido o reconhecimento e o sobrenome paterno.

O que era enfadonho, porém, virou moda. Fazendo parte das escolhas femininas está a produção independente, e uma criança sem pai por opção materna é outra realidade que a sociedade tem se adaptado, da mesma forma como tem de conviver com o número crescente de pessoas que moram só e casamentos que, de acordo com o IBGE, duram em média, pouco mais de uma década no Brasil.

Nós, mulheres, nos distanciamos de nosso flagelo, destino certo que foi cortado pouco tempo atrás. Mostramos nossa capacidade, mostramos o que fazemos e o que queremos e isso pode excluir o casamento, a vida ao lado de um homem. Podemos ficar sozinhas, ter filhos sozinhas ou até casar entre nós. É triste o que as civilizações de outrora fizeram com suas mulheres, abusos para os quais estamos dando o devido troco, este que espero não ser maior que a dívida, porque daí estaríamos extrapolando, brincando de deus, de deusas, criaturas para as quais todos se curvam, entidades que tudo podem e que ditam leis, situação que às vezes me preocupa por que igualmente triste pode ser o resultado social desse livre caminho que estamos pavimentando para nossas filhas.