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Game of Thrones made in Brazil – parte 1

Fazia anos, talvez mais de vinte, que eu não acompanhava uma série na televisão. Lembra de "Os Maias”, "O Tempo e o Vento"? Pois é, faz tempo, mas naquela época eu ainda conseguia ter o prazer de assistir até o último e saudoso capítulo de um bom enredo. "Desejo", série protagonizada por Vera Fischer e Tarcísio Meira, foi outra exibida altas horas da noite e que não tirei o olho independente do compromisso da manhã seguinte. Houve outras, como "Engraçadinha" e "Agosto", programas igualmente interessantes mas que sei lá por que razão abandonei no meio do caminho.

Agora com a tevê a cabo, aluguel de filmes e séries exibidas quando e onde pudermos assistir, o entretenimento ganhou novos contornos. Depois que inventaram o fax eu não duvido de mais nada e já estava na hora de a internet facilitar nossa vida cultural. Em função disso, em um domingo chuvoso tive a oportunidade de ver, de uma só vez, os cinco primeiros capítulos do famoso Game of Thrones, mas não que eu tivesse me programado para quase cinco horas de filme, a questão é que eu simplesmente não consegui desgrudar o olho da trama que lentamente se descortinava diante meus olhos.

Eu sei, é ficção. Tem uns dragõezinhos e outras histórias de feitiçaria que levantam até defunto, mas não é a toa que se destacou como a série mais premiada do mundo. Game of Thrones traz à cena alguns conceitos que excitam nossa curiosidade e isso muito se deve aos costumes de uma suposta Idade Média onde se desdobram os acontecimentos.

Vassalagem, brigas entre herdeiros e bastardos que morriam de inveja de seus irmãos trazem elementos que despontam nossas emoções. Filhos legítimos, cuja ausência mudaria a sorte de todos, estão na mira de muita gente, e o culpado não é o mordomo, categoria que por sinal se quer existia. Tendo parente no meio da trama finque os olhos nele: quando o assunto é poder, familiares são os primeiros suspeitos.

É por isso que a minissérie fertiliza o imaginário. Filhos bastardos em busca de reconhecimento, gente que acha que é aquilo que não é e pessoas que tramam para a queda de seus líderes são situações que testemunhamos de vez em quando. Ela, a vassalagem, não foi extinta de nossa era mas apenas trocou de nome. A fidelidade ao brasão de uma família agora se volta para o logotipo de uma empresa, castelo onde alianças se fazem conforme conveniências. Como em Game of Thrones, promessas não são dívidas e nem sempre quem mantém a honra e a dignidade se dá bem no final. Se a empresa é familiar, então, Deus o livre!! Aí vale tudo. Puxadas de tapetes homéricas e caminho livre para a substituição dos súditos por novos lacaios, gente que precisa ser recompensada por que ajudou, por meio de intriga e traição, a quebrar a autonomia do antecessor.

Lembrando de alguma empresa? Eu de muitas. E uma em especial me entristece por que todo aniversário de falecimento é postada nas redes sociais “saudades do Fulano”, pessoa que, bem sei, despertou interesse quando caiu doente, falecimento que abriu os portões para o espetáculo protagonizado por acionistas gladiando entre si manobras pelo poder.

Sentiu o drama quando o poder está a deriva? As coincidências com a atualidade ainda prosseguem. Se alguém cobiçasse as propriedades férteis alheias era só juntar um grupo de homens armados até os dentes adentrar a área, invasão que colocava seus herdeiros para correr, simples assim, como enxotar cachorro.

Lembrando de outra coisa?

Game of Thrones retrata nossas paixões, nossos segredos e as imundícies que permeiam nossas relações de poder, e isso de certa forma me deixa um tanto sem graça. Nós, mães, fazemos nossa parte, fazemos filhos, às vezes mais de um, e isso para que, em tese, cresçam juntos, se amem, se auxiliem mutuamente. Na medida do possível, os estimulamos para serem honestos e honrados, que sigam as regras do bem, isso guiado pelo mais absoluto desejo de serem merecedores da proteção divina, o que alivia nossa culpa de não estarmos eternamente ao lado deles protegendo-os de jogos de trapaças e desilusões. Lá adiante, nesse cenário se inserem esposas, talvez meio-irmãos, madrastas, tios, primos, sobrinhos, quando não a cobiça de terceiros, gente que se reveste de confiança pelo cargo ou parentesco que ocupa em nossa vida, o que faz da trama ainda mais sinistra. Aí sai de baixo, de cima e dos lados por que lá vem guerra. Nesse Game of Thrones, realidade que pode receber diversos nomes, sabe-se lá o que esses lordes da atualidade farão com nossos filhos, pessoas que não necessariamente estão protegidas por seus parentes. Os valores, aqueles que sempre enfatizamos para nossos filhos, podem não servir de alvo conduto quando estiverem no meio do caminho de quem prefere que eles sumam desse mundo, indivíduos que podem nutrir por eles sentimentos mais perversos do que aqueles que incentivam Danerys a aniquilar seus rivais ou Cersei a subordinar sua nora.

A diferença é que não temos dragão nem exército para destruir quem nos machuca.