Cotidiano

Gafes rotineiras no trabalho podem prejudicar carreira

E-mails errados e exagero na bebida em festas da firma estão entre os erros

RIO – Você provavelmente já cometeu uma gafe no trabalho, da qual dá boas risadas quando se recorda. Mas a verdade é que, quando as trapalhadas são recorrentes, é hora de acionar o bom-senso. Situações do tipo são quase sempre evitáveis e podem virar uma mancha no currículo, caso se transformem em rotina.

— Chegar atrasado numa reunião é uma gafe. Mas, quando é um comportamento recorrente, cria uma percepção negativa nas pessoas. Da mesma maneira, um comentário descabido pode ser engraçado na primeira vez. Porém, se repetido, o funcionário vira uma pessoa inoportuna — ilustra o diretor-executivo da Michael Page, Roberto Picino.

A melhor receita para evitar esses embaraços continua sendo pensar bem antes de agir. Isso se aplica muito bem no momento de clicar em “enviar”, para mandar um e-mail. Checar destinatários e conteúdo nunca é demais. Já falar de alguém da empresa por escrito — seja por qualquer canal de comunicação — é algo que jamais deve ser feito.

— Para quê você vai deixar registrado por escrito que você falou mal de um colega de trabalho? — alerta Silmara Santos Adad, consultora de comportamento e etiqueta corporativa e social. — As pessoas se esquecem que informação é poder, e podem ser usadas contra elas posteriormente. Afinal, todos estão no trabalho para defender seu espaço.

Esses conselhos de Silmara, pelo visto, nem passaram pela cabeça da coach Andréa Batista, de 34 anos, quando ela resolveu falar mal da chefe com as colegas por e-mail.

— Estávamos eu e mais duas analistas de recursos humanos falando dela via e-mail, porque ela estava na sala. Mas, erroneamente, mandei uma mensagem para a própria gestora. Dei uma desculpa e fiz de desentendida. Só que, pelo contexto da conversa, ela entendeu que estava falando dela. Nunca tocamos neste assunto, e seguimos em frente — recorda-se.

Por falar em meios eletrônicos, um território que tem se mostrado bastante arenoso é o aplicativo WhatsApp. Se você é daqueles que não resiste a um grupo, cuidado com seu comportamento ao mandar mensagens.

— Grupos da empresa são para assuntos profissionais. Então, nada de ficar enviando “bom dia, grupo” todos os dias — recomenda Silmara. — Falar do chefe ou mal da empresa, então, nem pensar. A hashtag “#prontofalei” é cabeça na forca.

COMBINAÇÃO ARRISCADA

Essa máxima aliás, se aplica muito bem para aquele happy hour inocente, depois do trabalho. Como aconselha Silmara, não exagerar na bebida é uma etiqueta básica, mas muita gente se esquece disso e acaba falando demais nesses encontros.

— É comum as pessoas resolverem abrir o coração e revelar suas intimidades e sentimentos, esquecendo do dia de amanh㠗 diz ela.

Isso sem falar das consequências mais extremas que o álcool pode provocar. A assessora de imprensa de 31 anos, que também prefere não se identificar, conhece bem o resultado da combinação entre drinques em excesso e turma do trabalho.

— Estava na empresa há apenas seis meses e fui convidada para o aniversário do dono do escritório, na casa dele. Na festa, também estavam vários clientes. Me excedi na bebida, vomitei no sofá e precisei ser cuidada pela empregada da casa — conta ela, que conseguiu manter o emprego após o episódio.

Escorregões no português também costumam ser gafes recorrentes. Mesmo com tantos corretores nas ferramentas digitais, uma desatenção pode resultar numa falha embaraçosa, como a do produtor cultural, de 32 anos, que acha mais prudente manter a identidade em segredo.

— Precisei enviar e-mails para os alunos de uma oficina, fiz um texto padrão e, na correria, não revisei. Escrevi curso com “ç” e, só após enviar uns dez e-mails, percebi o erro. Fiquei na dúvida se mandava uma mensagem corrigindo a gafe, mas achei que chamaria mais atenção para o erro. O pior que ainda assinava com o nome de um amigo de trabalho — conta ele.

A professora de Recursos Humanos e Gestão de Pessoas da ESPM-Rio, Valéria Lima, observa que as gafes acontecem porque as pessoas estão distraídas. Entender isso, portanto, é fundamental para reforçar o foco e evitá-las.

— É como se a pessoa estivesse distante de seu eixo e da sua própria essência. Quanto mais a gente se mantém presente, menores são as chances de cometer erros evitáveis — recomenda a professora.

Distração, aliás, é a melhor definição para o episódio vivenciado pela empresária Heliana Queiroz, de 45 anos.

— Trabalhava como diagramadora em um jornal e precisava pegar uma foto no arquivo. Para isso, tinha que passar pela portaria e, como estava sem crachá, resolvi pular a catraca de identificação. Fiz isso distraidamente, sem perceber que os chefes e o dono do jornal estavam reunidos bem diante de mim. Ao voltar, eles ainda estavam reunidos e, mais uma vez distraída, fiz a mesma coisa. Achei que fosse ser sumariamente demitida, mas “apenas” tomei uma boa bronca do chefe — diverte-se.

ETIQUETA INTERNACIONAL

Os especialistas lembram também que gafe é gafe em qualquer lugar do mundo. E se as empresas estão cada vez mais internacionais, é bom estar em dia com as diferenças culturais dos parceiros de trabalho.

— Os ingleses são pontuais. Então, um atraso soa muito mais grave para eles. Enquanto isso, os americanos gostam de objetividade. Por isso, embromações não são bem vistas. Cada país tem suas particularidades, e isso merece ser respeitado — indica a professora da ESPM-Rio, Valéria Lima. — E ainda tem uma regra básica que muita gente esquece, que é respeitar os fusos horários na hora de fazer telefonemas e marcar reuniões.

Como agir após uma trapalhada dessas costuma ser uma grande dúvida entre os autores das peripécias. Para Roberto Picini, da Michael Page, manter a naturalidade e admitir a falha é sempre a via mais segura:

— Depois que o erro já foi cometido, o caminho é voltar para o eixo e agir com profissionalismo. Deixe claro que reconheceu a gafe e não a subestimou, mas virou a página. E, se você já é um bom profissional, isso fica mais fácil ainda. Afinal, quem não erra?

Na hora de fugir das gafes, lembrar das redes sociais é fundamental. Afinal, não é à toa que já foi cunhado o termo “netiqueta” para tratar dos bons modos no ambiente virtual. Para a consultora Silmara Santos Adad, as pessoas ainda têm muita dificuldade em enxergar como o limite entre vida privada e profissional ficou mais tênue com as redes sociais.

04.jpg— Elas se esquecem de que precisam ter coerência na imagem que passam por essas plataformas. Não adianta ter uma boa página no LinkedIn e um Facebook cheio de fotos com copo de cerveja na mão — ilustra a especialista.

Os cuidados se aplicam também ao que as pessoas curtem e publicam nessas páginas. Como lembra Silmara, compartilhar um conteúdo tem o peso de fazer dele as suas palavras.

— Respeitar a opinião dos outros também é fundamental. As pessoas ficam muito preocupadas em se expressar, e acabam se esquecendo de que menos é mais nessas situações — conclui Silmara.

A editora de texto, de 28 anos, que prefere não ter o nome revelado, quase se meteu em apuros por causa do mau uso de redes sociais.

— Trabalhava na assessoria de uma universidade e postei que “é muito difícil lidar com gente indecisa”. Minha chefe direta viu e me deu um toque, já que ela sabia que eu estava reclamado de uma professora da instituição — conta ela, que aprendeu uma lição com o episódio. — Apaguei a postagem e, desde então, procurei não publicar mais nada sobre meu trabalho, nem ter chefe adicionado.