Cotidiano

Futuro da Oi provoca apreensão na classe artística

RIO – O pedido de recuperação judicial da Oi, nesta semana, provocou apreensão no meio artístico. A empresa é uma das maiores patrocinadoras privadas de projetos culturais no país, o que abrange muito mais do que os seus dois centros culturais no Flamengo e em Ipanema, ambos na Zona Sul do Rio. Seus editais de 2015/2016 – um de ocupação dos centros culturais, outro de seleção nacional de projetos culturais – aprovou 73 propostas. Além de eventos tradicionais como o Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, em sua 21ª edição, ou o 23º Porto Alegre em Cena, há outros mais “jovens” como o Cena Contemporânea – Festival Internacional de Teatro de Brasília, a Flica – Festa Literária Internacional de Cachoeira, o Bumba-meu-Canto – Festival de Sotaques, no Maranhão, e o Festival Amazônia Mapping, em Belém, no Pará, cuja terceira edição será realizada a partir desta sexta-feira. Todos os projetos contemplados são garantidos por um orçamento empenhado no início do ano, grande parte dele através da Lei do ICMS. Há poucos espaços onde a gente pode fazer uma investigação na área de arte e tecnologia, e o Oi Futuro é o primeiro. Eu nem saberia dizer qual é o segundo

Os números são grandes. Desde 2001, a Oi já viabilizou mais de 2.300 projetos culturais por meio de leis de incentivo à cultura. No ano passado, o público dos projetos patrocinados na seleção nacional foi de mais de 2,5 milhões de pessoas. Já os centros culturais do Rio registraram 154.427 visitantes em seus eventos. Além disso, a empresa investe também em cultura através de seu departamento de marketing – o Teatro Oi Casa Grande, por exemplo, teve sua reforma paga pela Oi, que ainda dá uma verba mensal à casa em forma de naming right – o direito de usar sua marca no empreendimento. O Instituto Oi Futuro de responsabilidade social ainda mantém duas escolas com foco em tecnologia – a Oi Kabum, no Rio, e a Nave, no Rio e no Recife, através de parceria público-privada.

– A gente fica apreensivo porque o trabalho que a Oi vem fazendo na cultura é muito importante, não só no Rio, onde estão os centros culturais, mas em todo o Brasil – diz Bia Junqueira, uma das diretoras do Tempo Festival, tradicional evento de artes cênicas. – Ela move toda uma atividade na área: teatro, música, audiovisual, arte urbana, tecnologia. É normal que haja uma inquietação, porque não são tantas as empresas sensíveis assim, que desenvolvem um projeto com esse alcance.

Bia diz que o momento é de “pensar em reconstruir as coisas”:

– A Oi sempre nos tratou de forma muito parceira. Ela entende o quanto é importante a cultura na construção do dia a dia. Educação e cultura mudam a alma da pessoa, criam um novo nível de referência, é uma forma de investimento – diz.

O Tempo Festival vai acontecer este ano de 14 a 23 de outubro. Ele é um dos sete eventos que integram o grupo Festivais do Rio, como o Panorama (dança), o Festival do Rio (cinema), o Fil (teatro infantil) e o Multiplicidade (arte e tecnologia). A manutenção do patrocínio da Oi ao longo dos anos tornou possível a continuidade de todos eles, fato que ela destaca como fundamental para a formação de público e a inserção num calendário cultural que gera empregos e estimula a economia e o turismo.

REDUÇÃO DE VERBAS COMO ADEQUAÇÃO À CRISE

O fato de a Oi ter reduzido valores pagos a alguns projetos é visto como natural no cenário de instabilidade do país. A redução, segundo uma fonte da Oi, deveu-se a uma adequação diante de um momento de crise. A empresa já vinha fazendo um trabalho grande de controle de custos, que incluiu redução de pessoal e de viagens, entre outros itens. “No caso do Oi Futuro, optou-se por manter a qualidade da programação”, argumenta a fonte. Produtores que pediram um determinado valor para realização de seus projetos foram contatados, ao serem selecionados, para negociar o orçamento. Foi o caso de Maria Simán, que estreia nesta sexta-feira, no teatro do Oi Futuro Flamengo, o espetáculo “A reunificação das duas Coreias”. O patrocínio foi pago integralmente, mas Maria conta que esta foi a primeira vez em que fizeram tal proposta (ela já teve outros dois espetáculos selecionados, em edições anteriores).

– Aceitei porque tinha outro patrocínio assegurado, o que me permitiu levantar a produção da peça – diz ela. – A verba do Oi Futuro será usada na manutenção do espetáculo (pagamento de atores, diretor, equipe técnica, aluguel de equipamentos) nos dois meses em que estiver em cartaz.

A Oi não divulga valores gastos em cultura nem faz prognósticos sobre o futuro. O fato de a empresa ter uma receita constante e garantida, como contrapartida dos serviços que presta, leva a crer que o funcionamento dos centros culturais não será afetado pela negociação da dívida com os credores. Batman Zavareze, idealizador do festival Multiiplicidade, cuja trajetória se confunde com a do Oi Futuro (o primeiro festival aconteceu cinco dias após a inauguração do centro cultural no Flamengo), conta que já está fazendo pesquisas para o evento de 2017 (o de 2016 será em julho), com o aval da Oi.

– Tenho uma relação de afeto com eles, nem chamo de patrocínio, chamo de parceria – diz Zavareze. – Há poucos espaços onde a gente pode fazer uma investigação na área de arte e tecnologia, e o Oi Futuro é o primeiro. Eu nem saberia dizer qual é o segundo. Não consigo imaginar nenhuma outra instituição que trabalhe com educação e ferramentas tecnológicas de uma maneira um pouco mais avançada do que o fetiche do consumo.

Zavarese prefere nem pensar na possibilidade de uma negociação mal-sucedida da Oi com os credores – “Se a Oi quebrar vai prejudicar metade do país”, diz ele – optando por se apegar a uma postura de “força criativa e de potência” para enfrentar o momento de incerteza. Ele acha curioso que os produtores o procurem quando querem notícias do edital anual da Oi, talvez por conta da relação antiga, que remonta à própria criação do Oi Futuro. O do ano passado atrasou. Lançado normalmente em setembro/outubro, só foi publicado em dezembro. O deste ano vai ser certamente bem aguardado. Na data prevista, estarão, segundo o calendário da recuperação judicial, acontecendo as negociações com os credores. A intenção, diz um profissional da empresa ligado à cultura, é que tudo seja mantido.

– A dívida da Oi será negociada, mas a vida da empresa segue normal, assim como a do Oi Futuro, com seus compromissos, sua programação. Mas não podemos dizer nada quanto ao planejamento de 2017, 2018, não o discutimos ainda.