Cotidiano

Franklin Gil Hernández, antropólogo: 'No Rio, a sociabilidade homossexual é dispersa'

201609201933357977.jpg“Tenho 39 anos e uma filha de 16. Nasci na cidade de Tarso, perto de Medellín, e
hoje moro em Bogotá. Tenho interesse em justiça, principalmente nos campos da
sexualidade e da raça. Sou casado com um homem, militei no movimento LGBT, e a
sexualidade para mim é algo muito importante para pensar e organizar a vida.”

Conte algo que não sei.

A Colômbia é um país de contrastes,
como o Brasil, que tem uma legislação moderna em relação à sexualidade. Lá agora
é permitido o casamento entre pessoas do mesmo sexo, reconhecimentos familiares,
direitos patrimoniais, adoção de crianças por casais homossexuais. É um momento
de mudanças muito grandes, que estão questionando a cultura colombiana e seus
valores familiares arraigados. Então, há um movimento muito forte de setores
conservadores, como a igreja e partidos políticos, que estão lutando fortemente
contra isso.

De que forma?

Agora estamos num processo de paz,
de diálogo com as Farc. Mas tais setores conservadores argumentam que o que se
está oferecendo como acordo de paz é, na verdade, uma manobra para os defensores
da ideologia de gênero dominarem o país. Então, muita gente pretendia votar
contra a paz por não querer que os gays dominem a Colômbia. É muito louco.

O que de mais louco você já leu sobre esse tema?

Um site evangélico disse que o
presidente e seus bruxos estavam se preparando para entregar o país ao diabo. O
mais maluco é que as pessoas acreditam nisso.

Quando o casamento gay foi legalizado na Colômbia?

A Corte Constitucional aprovou há 2 anos, mas só no início deste ano saiu uma
sentença que sacramentou o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo. Alguns
setores estão dizendo que a Corte é uma ditadura, que está decidindo pela
população. E estão em campanha por um plebiscito contra a adoção de crianças por
casais gays e por pessoas solteiras. Já recolheram 2 milhões de assinaturas. A
questão agora está no Senado, mas todas as leis precisam passar pela Corte, o
que nos dá uma esperança. Pela tradição jurídica do tribunal, ela não deve ser
aprovada.

Por que escolheu o Rio para fazer seu intercâmbio?

Estou fazendo uma pesquisa sobre construção de cidades e lugares de
homossocialização entre gays, lésbicas, em meio a todas as ideias de
modernização das sociedades. O Rio vem construindo uma imagem amigável para o
turismo gay. A escolha de vir também se deveu ao fato de o Brasil ser um país
que tem processos sociais muito interessantes não só na questão dos direitos
homossexuais, mas nas questões de raça: as cotas, a luta contra o racismo.
Cheguei em março e fico até novembro.

Que comparação você faria entre a realidade do seu país e a nossa
nas questões de gênero?

Em Bogotá, há um bairro dito gay, Chapinero, para onde os homossexuais vão em
busca de lazer. E, no Rio, a sociabilidade homossexual é mais dispersa, o que é
bom. O que eu queria entender é por que o Rio tem toda essa tranquilidade em
relação à sexualidade e, ao mesmo tempo, tem muita violência contra homossexuais
e travestis. Quanto às questões de raça, a Colômbia é igualmente racista, mas o
Brasil tem uma questão de violência policial com jovens negros muito forte.

O que mais chamou sua atenção até agora?

O que achei muito diferente foi ver, num boteco, uma mulher de certa idade
tomando cerveja com as amigas, sem homens à mesa, se divertindo. No meu país, se
uma mulher mais velha fizesse isso, seria muito mal vista. Achei isso ótimo.
Fala de uma sociedade que se permite.