Cotidiano

Francês radicado no Rio desenha e cria poltronas, estantes, mesinhas e luminárias de papelão

O francês Laurent Renauld, de 37 anos, é um catador de papelão um bocado exigente. Só pega uma caixa e coloca debaixo do braço se ela estiver limpa e sem amassados. Os lugares por onde costuma perambular em busca do material são estratégicos: portas de concessionárias; de preferência, em Botafogo.

? Antigamente, as pessoas descartavam papelão. De dois anos para cá, mudou; agora, elas vendem. Às vezes, passo quatro horas na rua e não acho nada. Por isso, vou a lugares que são mais fáceis de encontrar, como as lojas de peças de carros ? exemplifica Laurent, que adotou o pseudônimo Lorenzo Lamas (mesmo nome do ator americano). ? Ninguém me chama de Laurent no Brasil. Inventei esse nome porque tem uma pegada de humor. As pessoas têm que sorrir na vida.

Garimpar o material é a primeira etapa do trabalho de Lorenzo, cuja especialidade é criar móveis de papelão. A partir de uma técnica que aprendeu em um curso no Sul da França em 2013, criou a Lolo Carton, que projeta sofás, mesas e estantes capazes de aguentar uma pessoa de 150 quilos.

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? A primeira peça que criei, um banco de estilo chinês, foi feita com uma técnica simples, de encaixe. Mas achei que não era tão resistente. Então, fui para a Europa para estudar o schmulb, uma técnica de triangulação que trabalha com força e sustentação em diferentes pontos da parte interna do móvel. Assim, consigo criar estruturas que vão durar a vida inteira ? diz.

A primeira vez que Lolo, como gosta de ser chamado, pôs os pés no Rio, foi em 2003. Veio passar férias, conheceu uma carioca, ficou entre lá e cá, até que decidiu se mudar. Na França, nem pensava em manusear peças de papelão. Sua ?praia? era o audiovisual, da edição à cenografia experimental. No Brasil oficialmente, mudou de rumo: trabalhou como arquiteto e faz-tudo. Não só desenhou projetos de restauros de apartamentos antigos como botou a mão na massa.

? Desenhava projetos e era a minha própria mão de obra. Na França, é assim. No Brasil, não. Mas cansei de fazer reformas e pesquisei novas possibilidades na internet. Encontrei os móveis de papelão, percebi que não existia isso aqui, então comprei livros e comecei a estudar. É uma matéria-prima interessante, que vem da rua ? defende Lolo, que se identifica como artesão.

Seu ateliê funciona na sala do apartamento onde hoje mora, sozinho, na Lapa, e projeta móveis, molduras de quadros, luminárias e até bolsas. Numa parede amarela, estão penduradas peças de papelão como letras, um balãozinho e a silhueta de um passarinho. Um mapa do mundo de cabeça para baixo se mistura aos penduricalhos. Sobre uma mesa de madeira, Lorenzo apoia o material e traça um desenho com giz. Corta o papelão com um estilete e passa cola branca para emendar os retalhos. Para dar o acabamento e esconder logomarcas de carros e eletrodomésticos, usa papel pardo.

? Não faço rascunho no papel nem no computador ? conta o artesão, que assina 30 peças (algumas vendidas na loja do MAM e na Mutações, em Botafogo).

A escala das peças diminuiu gradativamente.

? Tenho dificuldade para vender. As pessoas acham o trabalho genial, gostam do design, mas resistem ao papelão, acham que vai desmontar. Se eu passar verniz, eles podem ficar na chuva que sobrevivem ? promete Lolo.

Dois sonhos permeiam sua cabeça: dar um curso e firmar parcerias com outros artistas. O segundo está perto de sair da imaginação.

? O Lorenzo tem uma sensibilidade muito grande. Sabe que o papelão não é um suporte inédito, mas consegue imprimir identidade ao seu trabalho. Estamos pensando em fazer uma dobradinha. Gosto da ideia de usar materiais descartados nas exposições que faço ? conta o grafiteiro Marcelo Ment.