Cotidiano

Flip 2016, uma feira em cima do muro

RIO ? Em junho de 2013, quando uma onda de manifestações varreu o país, a Flip incluiu às pressas três mesas de debates sobre o que acontecia no Brasil. Com ingressos esgotados e transmissão on-line, a estratégia esquentou o perfil do evento, até então focado em discussões literárias. A temperatura seguiu alta em 2014 e 2015, quando se discutiram questões indígenas, a memória da ditadura militar, a relação entre as cidades e a democracia etc.

Neste ano, no entanto, a impressão que se tem é que a Flip esfriou. Em tempo de crise política acirrada, em que a presidente da República foi afastada do cargo enquanto corre um processo de impeachment, e no ano em que o país sofreu seu maior desastre ambiental da História, com o rompimento das barragens da Samarco em Minas, nenhuma das mesas está focada especificamente nesses temas. Ao GLOBO o curador do evento, Paulo Werneck, disse que a opção de montar debates específicos sobre os problemas atuais foi discutida até o fechamento da programação:

? Não é verdade que não haja espaço para a política. A política perpassa todas as mesas. Pensamos muito em como conduzir isso, até o último fim de semana. Mas será que teríamos uma mesa para falar de Renan Calheiros? Será que a Flip é para debater isso? Na mesa de Benjamin Moser e Kenneth Maxwell certamente o assunto será levantado, na do Misha Glenny também. O humorista português Ricardo Araújo Pereira é também comentarista político. O João Paulo Cuenca é um ativista. Eu tenho certeza de que o mediador da mesa com a Svetlana (Aleksiévitch, ganhadora do Nobel de 2015 e autora do livro ?Vozes de Tchernóbil?), ao conversar com ela sobre Tchernóbil, vai abordar a questão da tragédia de Mariana.

Num ano em que a homenageada é a escritora Ana Cristina César, e que o evento se debruça sobre a presença feminina na literatura, com a participação de 17 autoras, outra ausência sentida é a de escritoras negras. Anteontem, um grupo de autoras e professoras da UFRJ publicou uma carta criticando o evento, que chamou de ?arraiá da branquidade?: ?Em um país de maioria negra e de mulheres, é um absurdo que o principal evento literário ignore a produção literária de mulheres negras?.

Werneck comentou a ausência de negros em geral, que já havia sido alvo de críticas:

? Nenhum dos autores negros que convidamos pôde aceitar. Essa crítica é pertinente. É verdade. Fica como uma falha, uma lacuna. Isso é uma coisa a ser discutida. A Flip tem uma história de diversidade.