Cotidiano

Filhos de mães que tiveram zika devem ser acompanhados até a alfabetização

RIO – ?Quando o médico disse que ele era aparentemente perfeito eu fiquei aliviada?, conta Germana Soares, mãe de Guilherme, de 1 ano. Aos 5 meses de vida o menino começou a apresentar sintomas e, hoje, com 1 ano, não engatinha. Provavelmente, segundo os médicos, não vai andar. E pode ainda apresentar comprometimentos cognitivos. Crianças cujas mães tiveram zika durante a gravidez devem receber acompanhamento médico até a fase de alfabetização, mesmo que não apresentem sinais de lesão neurológica, afirma a neuropediatra Vanessa Van der Linden, a primeira a perceber um aumento incomum no número de casos de microcefalia em Pernambuco.

O motivo de toda essa cautela é que 13 crianças, hoje com cerca de 1 ano de idade, foram diagnosticadas com a síndrome apenas entre os 5 e 10 meses de vida. Onze delas são acompanhadas de perto por Vanessa, na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) de Pernambuco. Segundo ela, assim como levou meses para se detectar em exames alguma alteração cerebral nessas 13 crianças ? 11 classificadas como microcéfalas, e duas como portadoras de anomalia neurológica ?, é possível que outras só venham a manifestar algum problema somente anos mais tarde. zika

? A gente não sabe ainda qual o espectro dessa doença (microcefalia causada por vírus da zika). O protocolo do Ministério da Saúde diz que toda mãe que teve zika na gestação deve levar seu filho para acompanhamento médico até os 3 anos. Mas o ideal mesmo seria que essas crianças fossem acompanhadas até a alfabetização, porque é aí que podemos perceber melhor a capacidade cognitiva e outras habilidades ? destaca Vanessa. ? Talvez essas crianças que estamos diagnosticando antes do primeiro ano de vida sejam os casos mais graves de microcefalia adquirida. Pode ser que haja casos muito leves em que só perceberemos alguma manifestação daqui a alguns anos.

A neuropediatra explica que há dois tipos de microcefalia: a congênita, detectada ainda dentro do útero ou assim que o bebê nasce; e a pós-natal ou adquirida, identificada mais tarde. Entretanto, ainda não se sabe o porquê se adquire microcefalia.

? Ou existe algum fator ambiental que provoca, depois do nascimento, um atraso no desenvolvimento do cérebro, ou esse atraso que aparece só mais tarde é uma simples consequência, uma sequela de uma lesão com a qual a criança nasceu. Isso ainda não conseguimos responder ? diz ela. ? A infecção pode ser congênita, mas a microcefalia, não.

Esses dados foram publicados esta semana na revista ?Morbidity and Mortality Weekly Report?, do Centro de Controle de Doenças (CDC) dos EUA. O estudo com as 13 crianças foi resultado de uma parceria entre pesquisadores americanos e brasileiros, incluindo a pernambucana Vanessa Van der Linden. Enquanto 11 desses bebês são atendidos no Centro de Reabilitação da AACD, no Recife, os outros dois são pacientes do Hospital Infantil Albert Sabin, de Fortaleza, no Ceará.

Problemas motores

Todas as crianças do estudo tiveram exames positivos para o vírus da zika e, após os 5 meses, começaram a ter um crescimento mais lento da cabeça. Foi observada desproporção craniofacial em seis crianças, epilepsia em sete, e displasia (alterações) nos quadris em três.

De acordo com Vanessa, o que há em comum entre todas elas é um comprometimento da parte motora. Os bebês ainda têm muita dificuldade para se sentar e engatinhar, por exemplo.

? Todas as crianças apresentam problemas motores em algum grau, umas mais do que outras. Mas, em geral, elas têm uma interação com o ambiente bem melhor do que as crianças com microcefalia congênita. Elas parecem entender mais o que está ao redor, têm mais iniciativa para se comunicar ? conta Vanessa. ? Ainda é cedo para saber se essas crianças poderão desenvolver bem a cognição, mas elas têm mais chance do que as com microcefalia congênita. A microcefalia adquirida é, em geral, mais leve.

Segundo o CDC, os resultados desse novo estudo reforçam a importância sobre avaliações contínuas do desenvolvimento de todas as crianças expostas ao vírus da zika durante a gestação da mãe. ?A ausência de microcefalia no nascimento não descarta a infecção congênita ou a presença de anormalidades cerebrais após o nascimento?, afirmou o CDC, em nota.

EM PRIMEIRA PESSOA

?Ele fez 1 ano e ainda não engatinha?

Germana Soares*

?Eu tive zika com três meses de gestação, fizemos todos os ultrassons e nada foi dito. Sempre esteve tudo bem. Na semana que o Guilherme ia nascer começaram a falar sobre a possível relação entre zika e microcefalia, então falei com meu obstetra e ele disse para aguardarmos o nascimento. No dia do nascimento, quando ele puxou o Guilherme da minha barriga, disse ?olha, aparentemente seu filho é perfeito, mas vou encaminhá-lo para um ultrassom da cabeça? e nesse exame foi descartada a microcefalia. Depois de ter recebido alta da maternidade, a pediatra perguntou se eu não gostaria de ficar lá mais alguns dias para fazer alguns exames mais específicos, já que eu tinha histórico de zika na gravidez. Eu fiquei, achei que era apenas uma forma de prevenção. Fizeram uma tomografia e uma ressonância e foi descoberta a microcefalia. Hoje Guilherme tem epilepsia aguda, uma luxação no lado esquerdo da bacia e espasmo pulmonar, tudo derivado do vírus. Todo o lado esquerdo dele é comprometido, ele fez 1 ano e ainda não engatinha ? a neurologista disse que ele dificilmente irá engatinhar. A audição, visão e fala são perfeitas até aqui.

De repente Deus usou a pediatra para que eu tivesse o diagnóstico. Até os 4 meses de vida ele não apresentou atraso nenhum, mas com 5 meses começaram a aparecer sintomas, ele convulsionou. Sou mãe de primeira viagem, não conseguiria identificar alterações se não tivesse sido orientada. Para mim, microcefalia era apenas uma cabeça pequena, não tinha conhecimento de nada, eu ia perder tempo sem estimular meu filho. O zika é um vírus desconhecido pelo mundo, nós estamos conhecendo como ele se desenvolve da pior maneira, nos nossos filhos. É tudo muito novo, quando as complicações surgem é que vão estudar. O futuro é duvidoso. Claro que eu quero que o Guilherme ande, fale, mas se ele não andar não tem problema, eu carrego. Tenho esperança que ele venha a se desenvolver e que chegue o mais próximo de fazer o que uma criança da idade dele faz. Como mãe, desde o diagnóstico corro atrás das terapias que ele precisa, parei minha vida para me dedicar a ele, sei que a hora de ajudá-lo é agora e o dia é hoje.?

*Germana Soares tem 25 anos, é mãe de Guilherme, de 1 ano, e presidente da União de Mães de Anjos