Cotidiano

Febre amarela volta a assustar

RIO – Em geral, ele mede não mais que sete milímetros e passa despercebido por
entre nossas pernas, mas é um dos insetos mais ?versáteis? quando se trata de
espalhar doenças. Além de dengue, zika e chicungunha, o Aedes aegypti
também é um possível vetor da febre amarela, que vem assombrando parte do Brasil
desde o início do ano. O alento é que todos os casos notificados até agora são
da versão silvestre da doença, transmitida somente em regiões de mata pelos
mosquitos Haemagogus e Sabethes. O Aedes só vai
entrar em cena caso a circulação do vírus saia das zonas rurais para as cidades,
o que, se acontecer, provocará um cenário de caos, afirmam com veemência
infectologistas e epidemiologistas.

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? Isso seria desastroso, porque as cidades estão infestadas de Aedes
aegypti
. Ficaria muito mais difícil conter a disseminação da febre amarela
? alerta Pedro Tauil, epidemiologista, doutor em doenças tropicais e professor
da Universidade de Brasília (UnB). ? O risco de a doença chegar às cidades é
real. Temos que tomar todas as medidas que pudermos já.

E a principal medida é a vacinação, tanto na região de
Minas Gerais afetada pelo surto ? onde cerca de de 700 casos foram notificados e
mais de cem, confirmados ?, quanto nas áreas em torno do estado. Por isso, um
cinturão de bloqueio está sendo feito na fronteira, em especial em cidades do
Rio e do Espírito Santo, que, por não fazerem parte da zona de recomendação para
a vacina da febre amarela, têm a esmagadora maioria de seus habitantes
desprotegida.

FOCO EM TRABALHADORES RURAIS

No Rio, os 16 municípios do Norte Fluminense e da Região Serrana que fazem
divisa com Minas receberam do Ministério da Saúde 250 mil doses da vacina.
Nessas cidades, pessoas de 9 a 60 anos poderão se imunizar. No entanto, a
prioridade será dada aos trabalhadores rurais, os mais afetados pela doença, uma
vez que passam boa parte do dia em área de mata. De acordo com um estudo de
Pedro Tauil, 45% dos que contraem febre amarela são trabalhadores da
agricultura, e 87% são homens.

O que amedronta os especialistas é o possível retorno da febre amarela em sua
forma urbana, que tem seu último registro no Brasil em 1942, no Acre. Isso
porque populações que nunca tiveram defesa contra esse vírus entrariam em
contato com ele. E uma das marcas da febre amarela é a alta letalidade: quase
metade das pessoas que têm a doença no Brasil morre. Com base nos últimos 16
anos, 48% dos que contraíram a enfermidade no país não resistiram à
agressividade da doença.

? Se compararmos a mortalidade da febre amarela com a do ebola, a primeira
leva a óbito com muito mais frequência ? comenta o infectologista Esper Kallás,
professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). ? No
surto de ebola que ocorreu na África entre 2013 e 2015, cerca de 20% das pessoas
morreram. A febre amarela chega a matar 50%. Mesmo na época em que tínhamos, por
exemplo, apenas dois casos de febre amarela ao longo de todo um ano no país,
normalmente uma delas morria.

Embora seja mais associada à região amazônica, a febre amarela silvestre é
endêmica na maior parte do país. Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Maranhão têm
seus territórios inteiros dentro da área de recomendação da vacina. Até nos
estados da Região Sul, há essa indicação, ficando fora apenas uma estreita faixa
litorânea.

O vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato
Kfouri, ressalta que a vacina da febre amarela é a única que não é aplicada em
todo o território nacional. A justificativa é que, por ser feita com o vírus
atenuado ? e não inativo ?, essa imunização pode, em algumas ocasiões, provocar
reações semelhantes às da própria febre amarela, o que pode levar o indivíduo a
um estado grave. Não é comum que isso aconteça: estima-se que exista um caso a
cada 400 mil doses aplicadas. Entretanto, especialistas consideram que não vale
a pena correr esse risco em áreas onde não há registro de circulação do vírus,
como no Rio de Janeiro.

? Não há motivo para se expor a um risco que, no
momento, consideramos desnecessário ? afirma Kfouri. ? Por isso, não acho que o
Rio precise de uma vacinação de rotina contra a febre amarela. E essa avaliação
continuará válida, a menos que o quadro da doença no estado mude.

Para Esper Kallás, faltou investimento do governo no aumento da cobertura
vacinal nas áreas endêmicas. Em Minas, por exemplo, menos de metade da população
estava imunizada quando surgiram os primeiros casos.

? Ao mesmo tempo, temos pouca cultura de vacinação. É preciso cobrar dos
governantes, mas também mudar isso no nosso dia a dia.

Nas áreas onde o vírus circula, deve-se tomar a vacina aos 9 meses de idade e
a segunda dose aos 4 anos. Quem toma a primeira dose depois dos 5 anos precisa
receber um reforço após dez anos. Com essas duas aplicações, a proteção dura
para o resto da vida. Embora a OMS afirme que uma única dose é suficiente para a
imunização, o Ministério da Saúde defende que é mais cauteloso manter a
recomendação das duas etapas.