Cotidiano

Farid Yaker, economista: 'A diversidade deveria ser um ativo'

“Nasci em Cairo, Egito, há 55 anos, cresci na Argélia e estou na França há três décadas. Trabalhei com projetos de alívio da pobreza, de desenvolvimento social e ambiental. Desde 2008, gerencio o primeiro programa de compras públicas sustentáveis, que integra o Unep. Trabalho em contato com todos os governos.”

Conte algo que não sei.

As compras públicas repercutem de 15% a 25% do PIB das economias nacionais. Assim, é importante alcançar a sustentabilidade no consumo e na produção relativos às aquisições estatais. Isso propicia também guiar o mercado rumo à inovação, a práticas sustentáveis, e assegurar que o setor privado adote a mensagem de mudar a forma de produção e aprimorar os produtos que vende, em termos ecológicos, econômicos e sociais. Os Estados devem tomar a dianteira deste processo e inspirar consumidores e companhias.

O que isso impõe de mudanças à gestão governamental?

Quando o Estado compra carros, pode restringir a aquisição a modelos que emitem menos gases prejudiciais ao ambiente. Ao construir escolas e hospitais, pensar meios de gastar menos energia e água e optar por materiais mais ecológicos, de produção local. Na aquisição de produtos de limpeza, checar as marcas com menos substâncias tóxicas.

Nesta equação, entra o contexto social das compras?

Ao comprar uniformes, por exemplo, é importante escolher tecidos sustentáveis, de algodão orgânico, por exemplo. Mas também verificar se não foram feitos por crianças em países em desenvolvimento. O trabalho é assegurar que governos comprem bons produtos de boas companhias, o que minimiza a interferência do homem no ambiente e gera impacto social positivo. É verificar se a mão de obra tem direitos e benefícios trabalhistas recebidos e respeitados

Como emplacar esta transição no cenário de crise?

Em vários casos, compras sustentáveis não ficam mais caras. Há um preço de aquisição maior das lâmpadas LED, por exemplo, que depois vão economizar energia. Depende do que você entende por custo também. Se você tem poluição, vai pagar mais a hospitais pelos cuidados com a saúde da população afetada. Isso precisa ser um fator de custo. Temos um impacto na sociedade que não entra na conta financeira das compras do governo.

Difícil convencer o governante a assumir o custo e entregar os efeitos positivos ao sucessor, imagino.

É uma questão-chave. Há um descompasso entre os ciclos político e o ambiental. Por isso, precisamos de uma sociedade civil forte, de um movimento internacional, de iniciativas como o Acordo de Paris para o clima.

O quão importante é a estabilidade política nesta guinada à sustentabilidade?

A estabilidade política é chave para avançar. Quando há crise, ela passa a ser o primeiro objetivo, e questões ambientais ganham baixa prioridade.

Nascido no Egito, criado na Argélia, como o senhor vê a escalada da intolerância com imigrantes na Europa?

Dá medo. Falo como argelino, não como representante da ONU. Na França, há eleições ano que vem, e temo que escolheremos entre a extrema-direita e a direita-extrema. Agora, as pessoas precisam de uma abordagem política inclusiva, não da imposição de um modo de vida. Há ressentimento, especialmente com o Islã, por conta do terrorismo. A crise não ajuda, e os estrangeiros são os primeiros a pagar. Por vezes uso o Brasil como exemplo. Há tensões, mas vocês construíram uma nação com diferentes grupos étnicos, e todos se sentem brasileiros. A França precisa aprender que o mundo mudou. A diversidade deveria ser um ativo.