Cotidiano

Falta de interesse deixa observatório na gaveta e governo “livre e solto”

Diretoria quer rearticular discussão; Fiep diz que é parceira

Curitiba – Ferramenta imprescindível de fiscalização dos gastos públicos, o Paraná foi um estado pioneiro na implantação dos Observatórios Sociais nos municípios no início dos anos 2000, mas quando a proposta chegou para a criação de uma estrutura estadual, para acompanhar gastos como os com licitação do governo do Estado e a Assembleia Legislativa, por exemplo, a ideia simplesmente morreu.

Engavetado desde 2016, a atual gestão do Observatório Social do Brasil tenta recolocar o assunto em pauta, mas a sua efervescência acabou por esfriar justamente por quem deveria ansiar por isso: a falta de interesses das entidades civis organizadas, parcerias fundamentais para esse serviço.

Segundo o gerente de comunicação do OSB (Observatório Social do Brasil), Anderson Luis Nicoforenko, há dois anos se chegou até a organizar um comitê de discussão, mas o processo não caminhou mais, diferente do que ocorreu em estados como Santa Catarina e Minas Gerais, onde os observatórios estaduais já operam de forma gradativa com envolvimento direto e constante, movidos pelo envolvimento da federação da indústria, sobretudo no estado vizinho de Santa Catarina.

Os observatórios aparecem como parceiros da gestão pública, não como rivais ou com cunho exclusivo denuncista, mas de apontamentos e sugestões para o melhoramento da máquina pública, além de ser um canal importante para coibir desvios, fraudes e mau uso do dinheiro público.

O gerente de comunicação lembra ainda que alguns observatórios municipais acabaram por deixar a rede justamente por não concordarem com a metodologia de trabalho empregada: “O objetivo é ser um parceiro e fazer apontamentos sobre gastos públicos, ser um aliado do gestor”.

Paranacidade: Uma licitação e muitas dúvidas

Se o Observatório social do Paraná já estivesse em funcionamento seria possível, por exemplo, levar ao conhecimento do órgão processos licitatórios que no mínimo geram dúvidas na população.

Um deles, na modalidade de pregão eletrônico, diz respeito ao edital publicado semana passada de um certame que será realizado pelo Serviço Social Autônomo Paranacidade.

Nele está prevista a compra de mobília para escritório, mas o que chama a atenção é o valor da aquisição. São quase R$ 1,4 milhão para a compra de mesas, cadeiras, armários e divisórias.

Entre os lotes que mais chamam a atenção, de um total de sete, é o 01, no qual estão previstos R$ 427.7367,62 para a compra de cadeiras. O de número 04 prevê a aquisição de armário, gaveteiro, conjunto plataforma, mesa giratória, mesa de reunião e mesa de trabalho em formato L, além de painel divisor no valor máximo estipulado de R$ 678 mil.

Outro item que chama a atenção no edital é que a abertura das propostas seria no dia 9 de março passado, mas a data limite prevista para envio das propostas é o dia 22 de março, até as 14h, ou seja, 13 dias depois do que seria a abertura dos envelopes. A reportagem não localizou nenhuma publicação corrigindo essas datas.

O Jornal O Paraná ligou para o número que consta no edital para mais esclarecimentos sobre o certame, mas a pessoa responsável disse apenas que o “edital está disponível no site e que todas as informações a serem consultadas estão lá”. “Caso fique alguma dúvida nos envie um email”, disse o responsável.

No site indicado pelo servidor, a reportagem preencheu todos os requisitos indicados pelo responsável pelo certame para ter acesso ao detalhamento do pregão. Ocorre que o edital onde deveriam estar as informações simplesmente não carrega. Para comprovar isso, a reportagem gravou em vídeo uma das tentativas de acesso, o qual você confere no nosso facebook

Diante de tantas dúvidas e dificuldades, a reportagem denunciou o caso para o TCE (Tribunal de Contas do Estado do Paraná), que passa a investigar tanto o edital quanto a limitação da transparência.

“Este governo não prima pela transparência”, diz presidente da Fiep

Para o presidente do Sistema Fiep (Federação das Indústrias do Estado do Paraná), Edson Campagnolo, fatos como esses são um reforço de que “este é um governo que não prima pela transparência”. “Desde 2011 a Fiep, com o Observatório Social, acompanha a falta de transparência dos pedágios no Paraná, e não é diferente agora. Este é um governo que não prima pela transparência. A sociedade precisa se mobilizar e buscar as informações que deveriam ser simples de serem acessadas pelo portal da transparência, isso é o mínimo que se espera de um estado com tantos bilhões destinados às compras públicas”, alerta.

Campagnolo destaca ainda que a Fiep já participa como parceira dos observatórios municipais, inclusive com aporte para manutenção das estruturas, e que o Sistema está disposto a ser parceiro na articulação do Observatório Social do Paraná. “O que pudemos observar aqui é que não houve uma sensibilidade do próprio governo em estimular essa criação. Na outra ponta, as instituições sabem da complexidade de se ter um observatório onde a maioria dos envolvidos é voluntária. Não é fácil construir esta governança, mas estamos dispostos e vamos nos envolver”, garantiu.

Apesar de toda a complexidade, Campagnolo acredita que o G7, grupo que une as principais federações do Estado, se apresentará como potencial envolvida na articulação estadual, para, então, tirar de vez essa proposta do papel.

 

Os observatórios municipais

A prova que os observatórios municipais são um caminho sem volta está na aceitação e na consolidação desse importante mecanismo de acompanhamento e fiscalização do bem público.

São 126 unidades distribuídas por todo o País, algumas atendendo mais do que um município como o exemplo de Ponta Grossa nos Campos Gerais.

Das existentes Brasil afora, 32 estão no Paraná, um dos principais fomentadores desse modelo de fiscalização. “Todo mês estão sendo criados novos observatórios, há muitos registros de interesse em constituição e logo chegaremos a 150”, destaca o gerente de comunicação do OSB, Anderson Luis Nicoforenko.

Somente nos anos de 2016/2017 foram 1.370 consultas sobre o registro de interesse para desenvolver a metodologia em 750 cidades que desejam conhecer ou implantar observatórios sociais.

No ano passado, uma equipe técnica do OSB viajou 83 mil quilômetros em 57 cidades de Norte a Sul dando palestras e orientando os interessados.

Somente no ano passado e em 2016, 40 iniciaram constituição e dez estão neste momento em processo de conclusão à implantação.

O foco da diretoria do OSB está agora, além na articulação das estruturas estaduais, na gestão e profissionalização das unidades municipais, buscando melhorias na rede a partir de novas ferramentas e das novas tecnologias. “O objetivo é atuar em 5.570 municípios brasileiros, estar em todas as cidades do Brasil”, concluiu o gerente de comunicação do Observatório Social do Brasil.