Cotidiano

Ex-ministro passou informações de governo para a Andrade Gutierrez

SÃO PAULO. Relatório de perícia da Polícia Federal produzido a partir de mensagens trocadas pelo celular do ex-presidente da Andrade Gutierrez e delator da Lava Jato Otávio Azevedo, sugere que o ex-ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência Thomas Traumann tratava de assuntos de interesse da Andrade Gutierrez dentro do governo e chegou a vazar informações de uma reunião de Dilma Rousseff com ministros ao empreiteiro. Ele nega que tenha atuado pela empresa ou que tenha compartilhado dados do governo com o executivo.

Traumann foi assessor especial do governo em 2011 e nomeado porta-voz da presidente afastada Dilma Rousseff em 2012. Em janeiro de 2014 ele assumiu o comando do ministério, em substituição a Helena Chagas, cargo que ocupou até março de 2015. Antes de trabalhar no governo, o jornalista atuou no setor de comunicação corporativa da Andrade Gutierrez.

O relatório sobre as mensagens do ex-presidente da construtora foi incluído em inquérito público, que tramita na 13ª Vara Federal em Curitiba. Em 14 de outubro, de 2011, na condição de assessor especial, Traumann escreveu a Otávio Azevedo:

– No café da manhã, ?chefa? disse que o entroncamento de rotas c/GRU (Guarulhos) e VRC (Viracopos, em Campinas) inviabiliza Caieiras.

– Isso foi público? – perguntou Azevedo.

– Não, só ministros. Estávamos comentando a entrevista do Wagner ontem.

A Andrade Gutierrez tinha interesse direto no assunto tratado na reunião – ela desenvolvia com a Camargo Corrêa projeto de construção de novo aeroporto em Caieiras, chamado ?Novo Aeroporto de São Paulo (Nasp). O empreendimento contaria com financiamento do BNDES mas não foi adiante.

Ao GLOBO, Traumann disse que se referiu a apresentação feita pelo então ministro da Aviação Civil, Wagner Bittencourt, no dia anterior, dos editais de concessão dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília a ministros do TCU.

Embora não houvesse menção ao empreendimento de Caieiras na apresentação, Traumann disse entender que naquele momento a avaliação do governo sobre Caieiras ?era pública e não sigilosa?, já que os editais mostravam que o vencedor dos leilões não sofreriam concorrência.

BOAS FESTAS

Em mensagem de boas festas enviada a Traumann no primeiro dia de 2014, quando o jornalista assumiu a Secretaria de Comunicação da Presidência, Azevedo incluiu no texto uma menção aos novos desafios profissionais do amigo:

– Querido Thomas, que o ano novo venha com mais amigos e muitas alegrias (…). Novos conhecimentos serão adquiridos com novas informações que teremos acesso, em suma, ficaremos NOVOS DE TÃO FELIZES”. Forte abraço, Otávio.

As mensagens registram vários contatos entre os dois, marcando almoços ou jantares no Rio de Janeiro, São Paulo ou Brasília.

Em março de 2012, Traumann levou a Azevedo informações sobre outra reunião interna de governo, ocasião em que José Fortunati, prefeito de Porto Alegre, considerou tirar a Andrade Gutierrez do contrato de reforma do Estádio Beira-Rio para a Copa do Mundo de 2014.

– Fortunati avisou aqui que se não houver previsão de assinatura, vai tentar outro consórcio. O que está acontecendo? – escreveu Traumann a Azevedo em março de 2012, mencionando obra que interessava à Andrade.

Em 31 de outubro de 2012, Traumann escreveu ao executivo:

– Missão dada, missão cumprida. Não importa a missão… – diz o texto, cujo contexto não é explicado no diálogo.

BRAÇOS ABERTOS

Em outra mensagem, de 11 de julho de 2011, o jornalista avisou a Azevedo que ?suas opiniões? tinham sido aproveitas em ?regras a serem anunciadas? naquele dia pelo governo. Quando pensou em deixar Brasília, na mesma época, o executivo escreveu a Traumann:

– Volta para a AG. Estamos de braços abertos.

A resposta do jornalista veio dias depois:

– Propuseram que eu cuidasse dos discursos e de algumas operações de imprensa da PR (Presidência). E seguimos amigos.

Ao GLOBO, Traumann disse sempre ter defendido apenas os interesses do governo enquanto prestou serviços.

?Enquanto trabalhei no governo, nunca defendi interesses que não fossem do próprio governo. Não tenho mais este número de celular de Brasília, portanto, não posso checar o contexto dessas trocas de mensagens de cinco anos atrás?, afirmou.

A assessoria da Andrade Gutierrez informou que a empresa não comentaria as mensagens do seu ex-presidente. Disse apenas que ?mantém o compromisso de colaborar com a Justiça? e que ?tem feito propostas concretas para dar mais transparência e eficiência nas relações entre setores público e privado?.