Cotidiano

Estado conta com apenas 7.600 PMs diariamente para fazer o patrulhamento das ruas

patrulhamento.jpgRIO – A máxima ?os números não mentem? pode explicar a sensação de insegurança
relatada por muitos moradores do Rio de Janeiro. Realmente faltam policiais
militares no patrulhamento ostensivo: embora a PM tenha um efetivo de 47.528
homens, um levantamento feito pelo GLOBO aponta que, a cada dia, apenas 7.600,
em média, estão nas ruas do estado ? na conta, não são considerados os que
trabalham somente dentro de comunidades.

Há várias razões para a tropa estar tão reduzida. Dados
oficiais revelam que 2.528 PMs permanecem cedidos a vários órgãos públicos,
2.331 se encontram de licença médica e nove mil atuam apenas em Unidades de
Polícia Pacificadora (UPPs). Além disso, a cada mês, 10% do total tiram férias,
e outros 15% desempenham apenas atividades burocráticas dentro de batalhões. O
que sobra para o policiamento nas ruas ainda é dividido por escalas de um dia de
serviço por dois de folga: ou seja, entra aí uma divisão ? de 23 mil policiais ?
por três turnos.

A conta sai cara para a população, obrigada a passar por
locais inseguros como o acesso à Linha Amarela onde a estudante Ana Beatriz
Frade, de 17 anos, foi morta durante um arrastão, há exatamente uma semana.

ATRASOS NO PAGAMENTO DO RAS

Nos últimos meses, os atrasos no pagamento do Regime
Adicional de Serviço (RAS) pioraram a situação. A incerteza de receber o abono
fez com que a tropa deixasse de se habilitar para trabalhar em horários de
folga. Sem essa força extra, que somava cerca de 500 homens, e com tantos PMs de
férias, de licença ou envolvidos em outras funções (há policiais, por exemplo,
dando expediente dentro de prefeituras, do Tribunal de Justiça, do Ministério
Público e da Assembleia Legislativa), o equivalente a 17 batalhões fica fora das
ruas. Quartéis como o de Botafogo (o 2º BPM) têm, em média, 300 homens. Crise – 12/05

? Sem o RAS, são 500 homens a menos. É uma quantidade que dá para encher mais
de um batalhão. O aumento das estatísticas de roubo é um reflexo dessa falta de
policiais nas ruas. É importante que os PMs sejam estimulados a fazer o serviço
extra pela corporação ? disse o secretário de Segurança, José Mariano
Beltrame.

Esta semana, ele conseguiu que o governador em exercício
Francisco Dornelles liberasse verba para o pagamento do RAS de dezembro de 2015
e janeiro deste ano. Na quarta-feira, o estado deverá repassar R$ 12 milhões
para a segurança, sendo que R$ 6,5 milhões irão para a quitação da dívida
relativa ao abono. O desejo de Beltrame é regularizar os pagamentos o mais
rapidamente possível. Ele considera o RAS fundamental para a segurança do Rio
durante as Olimpíadas, já que a cidade espera receber, em agosto, quase meio
milhão de turistas estrangeiros.

De acordo com o sociólogo Ignacio Cano, coordenador do Laboratório de Análise
da Violência da Uerj, o ideal é que haja três policiais nas ruas para cada mil
habitantes. Como o estado tem quase 16 milhões de moradores, a taxa fica em 0,5
PM para cada mil, um efetivo insuficiente para garantir a segurança da
população. Mas, segundo Cano, a falta de policiais é uma desculpa dada por
autoridades de todo o país para justificar a crise na segurança pública:

? Aqui, o problema da violência não tem apenas a falta
de policiais como causa. Nos últimos anos, houve um aumento significativo do
efetivo por conta das UPPs. Se olharmos a relação entre número de policiais e
habitantes, veremos que o Rio não está pior que os outros estados brasileiros. O
?x? da questão é a velha política de contratar policiais e comprar carros sem
que seja feita uma análise estratégica do policiamento. Por isso, continua tudo
igual. Ainda não temos uma boa política de segurança. Seria preferível contarmos
com um número de policiais menor, mas bem pagos, mais bem treinados e mais
fiscalizados. Temos muitos policiais morrendo por causa dessa lógica de guerra
implantada pelas autoridades. É uma estatística inaceitável, assim como é
inaceitável o número de pessoas mortas pela polícia.

De acordo com o Instituto de Segurança Pública, até
março deste ano, cinco policiais militares morreram e cem foram feridos em
serviço. Contudo, uma contagem extraoficial indica que 35 PMs foram assassinados
trabalhando ou de folga.

Para o coronel Ibis Silva Pereira, ex-comandante da PM, a falta de policiais
nas ruas se intensificou com a prioridade dada às UPPs:

? Desde 2008, temos uma redução expressiva do
policiamento ostensivo nas ruas por causa das aposentadorias e licenças médicas.
Com o projeto das UPPs, os novos policiais foram alocados num único programa,
enquanto os batalhões foram perdendo seu efetivo.

Um planejamento estratégico, na opinião de Claudio
Beato, coordenador do Centro de Estudos da Criminalidade e de Segurança Pública
da Universidade Federal de Minas Gerais, poderia suprir a falta de policiais nas
ruas.

? O que vale é direcionar o patrulhamento baseado em
incidências criminais. Em determinados locais, os crimes se concentram em faixas
de horário. Um exemplo: pela manhã, é mais fácil ocorrer um assalto no Centro do
que em Copacabana. Mas a polícia funciona com base nas demandas da sociedade e
da imprensa. Falta planejamento ? alertou Beato.

EM 154 QUILÔMETROS, SÓ SEIS CARROS DA PM RODANDO

raridade.jpgQuarta-feira, dez da manhã em ponto. Uma equipe de reportagem saiu da sede do
GLOBO, na Cidade Nova, para checar como estava o policiamento móvel na cidade.
Somente 44 minutos depois foi visto um carro da PM circulando: a patrulha
passava pela Rua Conde de Bonfim, na altura da Mario de Alencar, na Tijuca. Além
dela, foram encontradas apenas outras cinco em movimento: três na Linha
Vermelha; uma na Rua do Matoso, perto da Praça da Bandeira; e uma na Avenida
Atlântica, em Copacabana. Muito pouco, se considerado que o percurso somou 154
quilômetros, percorridos ao longo de cinco horas e 30 minutos.

A equipe de reportagem encontrou outros 14 carros da PM parados, parte deles
posicionados junto a cabines de vigilância vazias. Em todos, porém, policiais
estavam trabalhando, acompanhando a movimentação de veículos e pedestres.

CENÁRIOS DIFERENTES

Na Linha Amarela, havia patrulhamento fixo em três pontos, feito por PMs do
Batalhão de Policiamento de Vias Expressas (BPVE). Mas, na alça de acesso
próxima ao shopping Nova América, em Del Castilho, O GLOBO não encontrou
policiais. Foi ali que, no último sábado, bandidos fizeram um arrastão e mataram
a estudante Ana Beatriz Frade. Por outro lado, na Curva do Calombo, na Lagoa,
onde o médico Jaime Gold foi assassinado a facadas em maio do ano passado, um
carro da PM estava de prontidão. O policiamento na área é financiado pela
Fecomércio-RJ, por meio do programa Segurança Presente.

Ao contrário da Avenida Atlântica, onde a equipe de
reportagem encontrou três carros da PM estacionados, na orla da Barra, do Leblon
e de Ipanema não havia patrulha alguma, nem mesmo parada. O GLOBO constatou o
mesmo problema em ruas internas dos três bairros.

Ao longo do percurso, também foi possível notar que
pontos onde sempre havia uma patrulha estacionada não contam mais com esse tipo
de policiamento. É o caso da esquina das ruas Uruguai e Conde de Bonfim, na
Tijuca; da Praça Xavier de Brito, no mesmo bairro; do trecho da Avenida Maracanã
onde fica a estátua de Bellini; da Rua Arquias Cordeiro, entre a estação de trem
do Engenho de Dentro e o Engenhão; e do acesso ao Túnel Noel Rosa no
Sampaio.