Cotidiano

Espírito Santo é o estado mais vulnerável à febre amarela, diz virologista

64417437_PIEDEDADE DE CARATINGA MG 17012016 FEBRE-AMARELA – Moradores aguardam para receber a v.jpg

RIO ? O epicentro de um dos piores surtos de febre amarela silvestre do Brasil está no Leste de Minas Gerais. Pequenas cidades, como Malacacheta, Piedade de Caratinga e Setubinha, choram seus mortos e vivem o medo da doença. Mas a maior preocupação do presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, o médico Maurício Lacerda Nogueira, é o Espírito Santo. Segundo Nogueira, especialista em febre amarela e professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, o estado é mais vulnerável do Brasil e a vacinação precisa começar logo. O governo capixaba anunciou, ontem, que fará uma barreira de vacinação nos 26 municípios na divisa com Minas. Mas para Nogueira, a cobertura vacinal precisa ser não só urgente como ampla, em todo o estado.

Há 206 casos notificados de suspeita de febre amarela silvestre em 29 cidades mineiras. Vinte e três mortes foram confirmadas e 31 estão à espera de confirmação em Minas. Ontem, uma morte foi confirmada no Distrito Federal. A vítima era um homem de 40 anos que morava em Januária (MG) e chegou já doente a São Sebastião, a 20 quilômetros de Brasília. Por enquanto, há apenas seis casos suspeitos da doença no Espírito Santo. Todos junto à divisa com Minas.

O GLOBO: O senhor mora e trabalha em São José do Rio Preto, onde esta semana foram identificados macacos mortos com suspeita de febre amarela. A situação em São Paulo também não é preocupante?

O vírus circula entre macacos da região pelo menos desde maio de 2016, quando um homem morreu de febre amarela silvestre aqui. O homem que morreu vivia numa localidade chamada Mata dos Macacos, a cinco quilômetros do centro da cidade. Nessa mata nasce o Córrego dos Macacos, ao longo do qual houve episódios de epizootia (surtos em animais) no ano passado. Esta semana, mais animais mortos foram encontrados dentro da cidade. Mas a diferença é que aqui cerca de 80% da população estão vacinados. Isso impede que o vírus possa se espalhar. O estado de São Paulo está mais protegido porque a vacinação aqui foi maior. Se uma pessoa contrair febre amarela, dificilmente o vírus irá adiante. Mesmo que essa pessoa seja picada por um mosquito que fique infectado.

Mas São Paulo teve outros casos em humanos e macacos, não?

Ao longo de 2016, houve episódios de mortalidade de macacos em localidades em torno de Ribeirão Preto e também um caso humano. Mas, na prática, é a mesma região de matas, pois São José do Rio Preto fica a cerca de 200 quilômetros de distância de Ribeirão.

O que faz São José do Rio Preto para se prevenir?

Vamos de casa em casa e perguntamos quem tomou vacina, quem precisa ainda vacinar. É um trabalho junto à população. É assim que precisa ser feito para funcionar. É necessário assegurar que ninguém está desprotegido.

Por que o Espírito Santo o preocupa tanto?

Porque a cobertura vacinal é muito baixa, principalmente na região próxima à fronteira com Minas. Se é que existe alguma cobertura vacinal. Para os vírus não existem fronteiras. É tudo uma mata só. Então o risco de a doença chegar a cidades e se espalhar é maior. Se uma pessoa adoecer e for para a cidade, outras pessoas estarão expostas. E há macacos mortos e mosquitos. O macaco é uma espécie de sentinela. Se ele aparece morto, é porque a doença já está lá. É um alerta. E nessa altura do campeonato, um alerta mais do que evidente de que as coisas não estão bem. O Espírito Santo ficou livre da febre amarela silvestre por muitos anos. E as áreas de litoral estão fora da área de recomendação de vacina. Acontece que a doença está em expansão. E Minas mostra que mesmo em áreas onde há recomendação de vacinação e vacina em postos, muitas vezes as pessoas não se vacinam. É preciso fazer uma ampla vacinação.

E por quê?

Por uma questão de gestão em saúde. Não adianta ter vacina se a população não sabe que precisa tomar. Veja o caso de Caratinga, em Minas. Em dezembro já havia gente doente na cidade. Mas será que os gestores de saúde local sabiam que precisavam vacinar? Será que a população sabia, foi informada? Pelos depoimentos que temos visto, não sabiam. A desinformação é muito grande. Não adianta só incluir em calendário. Caratinga mostra isso.

A febre amarela silvestre atinge áreas rurais. Isso dificulta a vacinação?

Não pela vacinação em si. Mas pelo acesso à informação. Trabalhei muitos anos na região de Minas atingida pelo surto atual. Ela é extremamente carente e sem acesso à informação. Não me surpreenderia se até mesmo muitos prefeitos não soubessem que precisavam alertar os moradores, imagine os funcionários de postos de saúde. Essa é uma falha de gestão em saúde persistente no Brasil. Incluir vacina em calendário não é suficiente.

E além da informação, o governo federal tem anunciado o envio de vacina para as regiões afetadas. Isso é suficiente?

Tem vacina para todo mundo? Não sei. Qual é o tamanho do estoque nacional de vacinas? Também não sei. Bio-Manguinhos é o maior fornecedor do mundo da vacina contra a febre amarela, mas não sabemos quantas doses o Brasil tem hoje para oferecer à população e com que velocidade isso pode ser feito. Esses números precisam ser muito claros.

O senhor acha que o Brasil poderá ficar livre da febre amarela silvestre?

O Brasil tem condições de evitar surtos em humanos porque a vacina é eficiente. É um erro dizer que o macaco é o reservatório. Ele não é. É o que chamamos de hospedeiro amplificador. Ele não é reservatório porque adoece e morre da doença, como a gente. A febre amarela ocorre em ciclos porque os macacos adoecem e têm uma taxa de letalidade tão grande que o vírus não consegue mais se disseminar. É preciso que exista uma população razoável de macacos para que o vírus continue a se propagar e entre em contato com seres humanos. E isso demanda tempo, por isso a febre amarela tem esses ciclos. Porém, se o mosquito que infecta os macacos infectar uma pessoa e esta tiver sido vacinada, a doença não vai adiante. Não há surto. Por isso, vacinar é tão essencial.

E as outras doenças de florestas?

Vírus circularão sempre nas florestas. Esse é o preço que pagamos por nossa biodiversidade. As florestas nos prestam enormes serviços. Mas se quisermos viver perto delas, visitá-las, precisamos aprender a fazer isso. Vacinar, por exemplo, é fundamental. Vigilância sanitária, também. O homem que morreu em maio aqui em São José do Rio Preto não era daqui. Ele havia se mudado há pouco tempo. E passeava na região da Mata dos Macacos. Quando você entra num ambiente desses, precisa tomar cuidados.

O Rio de Janeiro tem florestas urbanas. Qual o risco?

Não acredito que exista risco neste momento para a cidade porque essas matas não têm ligação com a região afetada. A mata do Rio é uma mata fragmentada. Já as cidades junto ao Espírito Santo devem mesmo se proteger.