Cotidiano

Especialistas sugerem lei de falências para resolver crise fiscal dos estados

BRASÍLIA – Diante da grave crise fiscal dos estados, economistas que acompanham o tema defendem a adoção de uma lei de falências para os governos regionais. A ideia, que já é aplicada com sucesso nos Estados Unidos, é apontada como uma reforma estrutural nas contas geridas por governadores e prefeitos. Um dos defensores da ideia é o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), da FGV, e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Manoel Pires.

Ele afirmou ao GLOBO que uma lei de falências para os estados permitiria centralizar o processo de negociação das dívida estaduais, garantindo que os credores – que variam desde bancos até os servidores públicos com salários atrasados – tenham maior chance de receber o que têm direito. Segundo Pires, no mercado americano, por exemplo, os entes regionais que recorrem a esse mecanismo de recuperação precisam negociar de forma dura um compromisso para pagar despesas com obrigações previdenciárias, investimentos em infraestrutura e segurança pública.

? A experiência tem mostrado que a aplicação da Lei de falências pode ser bastante ampla. Inicialmente pensada para situações de mercado de dívida mobiliária, existem situações nos Estados Unidos em que o processo reverteu reajustes salariais e de aposentadorias públicas que se comprovaram incompatíveis com a situação fiscal do ente ? explicou Pires, acrescentando:

? Em muitos casos o resultado é melhor para ambas as partes (devedores e credores). É melhor ter certeza de que vai receber o 90% salário em dia ou receber 100% em sete vezes?

O pesquisador destaca que o custo político de decretar falência para um estado seria muito elevado. Por isso, uma lei dessa natureza faria com que as finanças regionais fossem geridas com maior cuidado:

? A experiência mostra que, como um processo de falência é muito custoso, os entes que estão sob seu alcance criam mecanismos que melhoram o planejamento e criam medidas preventivas.

Outra vantagem desse mecanismo seria a disseminação de empresas de rating para acompanhar as finanças dos estados. Essas classificações poderiam ser utilizadas pelo setor privado na hora de conceder empréstimos e fechar contratos, aumentando o monitoramento e a transparência nos estados. Foi o que aconteceu no mercado americano.

Um levantamento preparado pelo ex-secretário com base na experiência dos Estados Unidos mostra que lugares que foram obrigados a recorrer a esse mecanismo tiveram adotar medidas duras. Um exemplo é o da cidade de Vallejo, na Califórnia. Ela entrou com pedido de falência em 2008 e a principal causa foram os salários e as aposentadorias públicas. O caso gerou uma jurisprudência importante, pois com base em análises de fluxo de caixa foi possível rejeitar os acordos de reajuste salariais que haviam sido fechados. A Justiça autorizou a rejeição desses acordos e os sindicatos foram obrigados a renegociar.

Segundo Pires, o capítulo 9 da lei de falências americana trata de governos locais. Mas diante do custo político que há em recorrer a esse mecanismo, vários estados tem criado legislação própria criando mecanismos e procedimentos que forcem uma renegociação. Atualmente, a aplicação do capítulo 9 é a última instância. No Brasil, explica Pires, essa mudança teria que ser encaminhada ao Congresso possivelmente por meio de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para prever a aplicação da lei sobre salários e aposentadorias.