Cotidiano

Especialistas defendem a importância de lidar com o fracasso para construir vitórias

201607141803050990.jpg RIO- Vinte e sete centésimos de segundo fizeram Jefferson Lucindo sentir o peso do fracasso. O tempo foi a diferença que impediu o velocista de alcançar o índice olímpico de 10 segundos e 16 centésimos na prova dos 100 metros rasos (ele fez 10s43) durante o último Troféu Brasil, o que acabou com suas chances de vaga no time brasileiro que disputará a Olimpíada do Rio. Com expectativa em torno de sua performance, o atleta, que em outra ocasião já havia ficado a apenas um centésimo de segundo da marca exigida, seguiu o protocolo comum em situações do gênero: quis se esconder, chorar longe dos holofotes e não falar muito sobre o assunto. A reação negativa diante da derrota, comum à maioria das pessoas, precisa ser revista, segundo especialistas. É necessário encarar as falhas e contar abertamente histórias de fracasso. O ato, garantem, pode ser um catalisador de sucessos futuros.

A aversão à derrota na rotina das pessoas chamou atenção da pesquisadora americana Brené Brown, que no mês passado, lançou no Brasil o livro ?Mais forte do que nunca – Caia. Levante-se. Tente outra vez?. Na publicação, Brené destaca a importância de relatar os percalços vividos até a conquista de um objetivo. A escritora, que se notabilizou por suas apresentações motivacionais no TED, critica a tendência de esconder as histórias de insucesso e defende que falar sobre elas pode nos tornar mais fortes.

Duas semanas após a derrota que o tirou da Olimpíada, Jefferson Lucindo começou a mudar o olhar sobre o próprio desempenho. Apesar da tristeza de ver o sonho fugir, agora o atleta fala sobre o assunto e conta que aprendeu a tirar proveito das quedas, que começaram a aparecer na carreira em 2012, quando enfrentou uma sucessão de lesões:

? Esse ano eu aprendi muito sobre a técnica. Eu me lesionei antes porque estava correndo com uma técnica errada. Fui para o Troféu Brasil muito bem e confiante, achando que ia fazer o índice, mas acabou que não aconteceu. Não tem explicação. Estava me sentindo bem, na minha melhor forma, sem dor, forte, mas quando fui correr, vi que já havia dois na minha frente ? conta o velocista. ? Nunca imaginei passar por isso, porque eu passei o ano todo me vendo na Olimpíada. Era como se eu tivesse com o corpo todo dentro da Olimpíada e só a cabeça do lado de fora. Quando percebi que o sonho não tinha mais possibilidade de acontecer, eu pensei: ?Não posso demonstrar que estou triste, vou deixar para chorar no quarto.? Mas a única escolha que tive era ser forte.

“QUANDO PERDI SENTI VERGONHA”

201607142008071309.jpg Reação semelhante acometeu o boxeador Igor Cruz, de 21 anos, revelação na modalidade em 2013 quando ficou em segundo lugar no Campeonato Brasileiro, com apenas nove lutas na carreira. Após os louros de um pódio inesperado, o atleta parou nas quartas de final do mesmo campeonato nos dois anos seguintes, frustrando o sonho de ser chamado para seleção e conseguir uma vaga olímpica.

fracasso? Eu fiquei pressionando a mim mesmo. Me senti para baixo, chorei um pouco. Como é que pode? Evoluí nos treinos e não consegui chegar ao meu objetivo. Quando eu perdi, fiquei na minha, no quarto, com vergonha. Não falava com ninguém. Mas jamais pensei em desistir ? diz Cruz, falando ainda que, atualmente, abordar a derrota tem ajudado a motivá-lo. ? Qualquer campeão já passou por isso. Agora, falar sobre o que aconteceu me ajuda a lembrar o que fiz na época e ver que posso muito mais. Eu estava buscando a seleção para lutar na Olimpíada. Agora, só em 2020. Estou trabalhando forte para isso. Vou mostrar que serei campeão.

Outros atletas como Diego Hypolito e Fabiana Murer engrossam a fila dos que viveram a dor do fracasso em um momento de alta expectativa. Favorita nos Jogos de 2012, em Londres, a saltadora acabou sendo eliminada no início da competição daquele ano. Procurada pelo GLOBO para participar desta matéria, a assessoria da atleta afirmou que Fabiana não comenta mais sobre o que aconteceu na Inglaterra.

? No esporte não é possível só vencer, a derrota faz tão parte quanto o próprio treinamento. É preciso educar o atleta para essa situação do vencer e do perder ? comenta a especialista em psicologia do esporte, Kátia Rubio, que explica ainda que a dificuldade em lidar com o fracasso não é restrita aos esportistas. ? Não vejo diferença do atleta para qualquer profissional que trabalhe com metas. Todos eles vivem essa pressão. O medo do fracasso é um sentimento que vem junto com as pessoas.

Assim como os tombos, a negação em aceitá-los também começa cedo. Na escola, as notas baixas em uma determinada disciplina fazem com que os jovens, ao invés de encará-la, passem a evitá-la. Para a especialista em educação Andrea Ramal, o rechaço ao fracasso é impulsionado pelos pais:

? É importantíssimo aprender a lidar com a falha. Tenho preocupação com pais que colocam o filho numa redoma, tentando mascarar os fracassos da criança. As vitórias são construídas com esforços. Por a escola não saber trabalhar o fracasso, crianças passam a ter, por exemplo, aversão à matemática porque tiraram uma nota baixa e ouviram que não levam jeito para a disciplina. Esse ?não vou conseguir? impede o desenvolvimento de outras competências.

Se antes já era difícil carregar o título de ?perdedor?, mesmo que temporariamente, a missão ficou pior com a explosão das redes sociais. A exposição de vidas perfeitas, onde as pessoas são plenamente felizes e bem-sucedidas, valoriza uma realidade imune a fracassos.

? As pessoas hoje escondem o fracasso e muitas vezes escondem o trabalho árduo por trás de um grande sucesso. Vivemos em um mundo rápido e efêmero. É como se tudo acontecesse num passe de mágica ? analisa a doutora em psicologia social Monica Portella.

Embora a sociedade contemporânea tenha ares de vitrine, há quem escolha exibir nela o que para o senso comum não é tão bonito assim. O professor Johannes Haushofer, da Universidade de Princeton, publicou em sua conta no Twitter um ?Currículo de Fracassos?, uma extensa lista de bolsas às quais ele se candidatou e não conseguiu aprovação, vagas de trabalho que tentou mas não foi contratado.

?A maior parte das coisas que tento falha, mas essas falhas são muitas vezes invisíveis, enquanto os sucessos são visíveis. Tenho notado que isso dá a impressão de que a maioria das coisas funciona para mim. Como resultado, as pessoas tendem a atribuir seus fracassos a si mesmos, ao invés de levar em conta o fato de que o mundo é estocástico, as seleções são jogos de sorte e as bancas examinadoras têm dias ruins?, escreveu Haushofer.

O autor do documento compartilhado diversas vezes no Twitter ainda adverte: se seu currículo de fracassos é curto, pode ser que sua memória esteja falhando.