Esportes

Esgrimista tcheco marca história ao recusar ponto em combate contra brasileiro

As espadas duelavam no ar enquanto os pés se aproximavam no chão. Estavam frente a frente, dançando o balé da esgrima, ataque e contra-ataque. Faltando 27 segundos para o fim do duelo, o espadachim tcheco Jirí Beran lançou-se como uma flecha contra o brasileiro Athos Schwantes. O árbitro marcou um ponto a seu favor, ele precisaria apenas de mais um para avançar à segunda rodada por um critério de desempate. Athos voltava à linha de guarda quando o tcheco caminhou até o juiz e pediu a anulação do ponto. ?Toquei em mim mesmo?, disse ao árbitro, que não compreendeu. O esgrimista chegou mais perto, apontou a própria perna e repetiu: ?Toquei em mim mesmo?.

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Na tarde daquela terça-feira, o público da Arena Carioca 3 assistiu, possivelmente, ao maior exemplo de jogo limpo visto desde que os melhores atletas do planeta chegaram ao Rio. A reação do esgrimista brasileiro quebrou protocolos do esporte de cavalheiros quando ele pediu, naquele mesmo momento, uma salva de palmas ao adversário, além de apertar sua mão. Beran não entendeu muito bem o motivo da comoção: queria apenas manter a mente vazia e respirar fundo para ganhar energia, como aprendeu com seu pai, grande esgrimista tcheco de mesmo nome que ensinou ao filho tudo o que sabe.

? Eu ainda acreditava que iria vencer, só tinha aquilo em mente ? conta, com uma cerveja tcheca na mão, pensando pela primeira vez sobre o momento mais marcante de sua derrota. ? Estou tentando aproveitar a Olimpíada, é minha primeira, não sei se terei chance de disputar outra, já tenho 34 anos. Eu me preparei muito para estar aqui. É difícil ser eliminado ? conta o tcheco, número 63 no ranking mundial da espada, com 74 vitórias em 102 partidas.

CHORO E MUSEU DO AMANHÃ

2016 930484673-201608121729187856.jpg_20160812.jpgFoi tão impressionante o que aconteceu depois quanto seu fair play no duelo. Em poucos instantes, Beran levou dois toques seguidos: 7 a 3 para o brasileiro faltando 8 segundos. O espadachim de Praga ressurgiu. Conseguiu um toque faltando cinco segundos. E mais outro, a 2.11 segundos do fim. A magia do esporte pairava sobre todos. Seria possível um empate? Beran ataca novamente. Faltando 0.68 segundo, os dois esgrimistas se encostam com a ponta da espada ao mesmo tempo. Um ponto para cada um. Jiri Beran estava eliminado.

? No dia seguinte eu acordei, abracei minha mulher, passei o dia com ela. Foi emocionante ela poder vir me apoiar, choramos por ela estar ao meu lado. Fomos ao Museu do Amanhã, passeamos um pouco. Nunca vou esquecer o Rio ? afirma.

Foi também no dia seguinte que Beran leu centenas de mensagens que recebeu do mundo inteiro pelo Facebook. Ele não gosta de redes sociais, mas criou um perfil por recomendação da Federação Internacional de Esgrima. Ficou triste com as mensagens, que respondeu uma a uma. Diz que só fez ?o que um gentleman faria?.

O caminho de Beran para chegar ao Rio foi pedregoso. Em julho do ano passado, ele sofreu uma grave lesão no Mundial de Moscou. Passou por uma cirurgia após rompimento total do menisco do joelho esquerdo. Foram seis semanas imobilizado e quatro meses de recuperação. Quando voltou a competir, em novembro, sentiu dores. Temeu ter que parar. A redenção veio em abril, quando conquistou, em Praga, o primeiro lugar em um torneio com os melhores esgrimistas do país. Há cinco Olimpíadas a República Tcheca não tinha um representante na esgrima. Este ano foram dois: Beran, na espada, e Alexander Choupenitch, de 22 anos, no florete.

? Consegui chegar aqui depois de pensar que não seria possível. Agora me sinto pronto para tudo na vida. Até mesmo me aposentar ? afirma.

Ele preferia ser lembrado por uma vitória do que pela honestidade.

? Amo o meu esporte e não entendo como alguém pudesse agir diferente, mas se isso ajudar uma ou duas pessoas a jogar limpo, é o que importa. Viver não se resume a ganhar. Conheça todos os esportes olímpicos da Rio-2016