Cotidiano

Empresa tinha ?contabilidade paralela? para pagar propina e fazer doação eleitoral em GO

BRASÍLIA – O Ministério Público Federal (MPF) identificou uma “verdadeira contabilidade paralela”, destinada a pagamento de propina e financiamento ilegal de campanhas eleitorais por meio de saques na boca do caixa, numa das empresas envolvidas no esquema de desvios de recursos públicos da Saneamento de Goiás (Saneago). Na Operação Decantação, deflagrada ontem, a Polícia Federal (PF) prendeu o presidente da Saneago, José Taveira Rocha, e o presidente do PSDB em Goiás, Afrêni Gonçalves, que também era diretor da estatal de saneamento e esgoto.

Taveira e Gonçalves são muito próximos do governador Marconi Perillo (PSDB) e ocupam cargos no governo tucano desde os primeiros mandatos. A suspeita do MPF é que a campanha a reeleição de Perillo em 2014 foi abastecida com recursos desviados da Saneago.

Decisão da 11ª Vara Federal determinou 11 prisões preventivas, 4 prisões temporárias, 21 conduções coercitivas, 67 buscas e apreensões, o afastamento de oito dirigentes da Saneago e o bloqueio de bens de empresários fornecedores da estatal. Na decisão, o juiz federal Eduardo Pereira da Silva faz a seguinte anotação: “Há risco concreto não apenas ao patrimônio público e ao patrimônio da estatal, mas também a própria saúde dos goianos, uma vez que, conforme demonstrado pela Controladoria Geral da União, a Saneago tem revelado baixa capacidade de levar adiante nos prazos previstos obras de saneamento essenciais à população.”

O MPF mapeou contratos da Saneago com a Sanefer Construções e Empreendimentos, suspeita de participação no esquema, no valor de R$ 211 milhões. A empresa tem ainda R$ 139 milhões em contratos com outro órgão do governo local, a Agetop. A Justiça Federal determinou a prisão, buscas e apreensões e o bloqueio de bens dos sócios da Sanefer, Carlos Eduardo Pereira da Costa e Nilvane Tomás de Souza. O MPF sustentou que a empresa se vale de “pagamentos de propinas a funcionários da estatal e lavagem de dinheiro”.

Os procuradores da República disseram ter detectado uma “contabilidade paralela” para distribuir propina “mediante saques em espécie das contas da empresa para ocultar a natureza ilícita dos recursos movimentados”. Há saques superiores a R$ 100 mil, e o valor movimentado chega a R$ 12 milhões. A empresa fez doações eleitorais a nove partidos nas últimas quatro campanhas, entre eles o PSDB, o DEM, o PMDB e o PT.

O MPF apontou ainda que um dos diálogos telefônicos utilizados na investigação revela a influência de um dos donos da Sanefer sobre diretores da Saneago para que intercedessem junto ao governador de Goiás “para obstruir a fiscalização do TCE (Tribunal de Contas do Estado”. A empresa estaria recebendo pagamentos da estatal mesmo sem ter certidão negativa de débitos com o Fisco.

Tanto o presidente do PSDB em Goiás quanto o presidente da Saneago foram cobrados sobre dívida da campanha de Perillo no valor de R$ 400 mil referente ao serviço prestado por uma gráfica. A suspeita é que dinheiro da Saneago foi utilizado para quitar a dívida. O juiz Silva autorizou busca e apreensão na sede do PSDB no estado para que os policiais federais coletassem dados a respeito.

A Saneago recebeu recursos públicos federais via Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e por meio de financiamentos do BNDES e da Caixa Econômica Federal. Segundo o MPF, o presidente da estatal “direciona pagamentos de forma a atender interesses ilícitos”. Num diálogo, destacado na decisão judicial, Taveira chegou a pedir a elaboração de duas versões de uma carta direcionada ao BNDES, “uma delas não devendo ser apresentada ao banco”.

Já os diálogos de Taveira e Gonçalves com o representante da gráfica que prestou serviços na campanha de Perillo “sugerem envolvimento de verbas da Saneago no pagamento de dívidas de campanha política”. Os R$ 400 mil seriam quitados pela Saneago e também pela Agetop, conforme a suspeita do MPF.

Taveira também deixaria de cobrar dívida da Odebrecht, conforme um diálogo transcrito nas investigações. “Outros diálogos apontam a atuação no uso de verbas da Saneago para o pagamento de organizações sociais, possivelmente ligadas à pasta da Saúde”, cita a decisão judicial que autorizou a Operação Decantação. “Taveira permite a contratação de serviços de técnicos especializados de assessoria financeira para a Saneago, sem licitação, o que contraria precedentes da administração pública estadual.”

Em nota ontem, o governo de Goiás defendeu Gonçalves e Taveira. “O governo acredita na idoneidade dos diretores e superintendentes da Saneago e tem a plena certeza de que os fatos apresentados serão plenamente esclarecidos”, disse na nota. “O governo apoia as investigações em curso na PF e no MPF e está inteiramente à disposição das autoridades para quaisquer esclarecimentos. Os procedimentos licitatórios realizados pelos órgãos, autarquias e empresas da administração estadual são pautados pela legalidade e pela transparência.”