Cotidiano

Em clima de guerra, convenção democrata tem 1° dia de embaraços

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FILADÉLFIA ? A criatura superou o criador: os apoiadores de Bernie Sanders não aceitaram o apelo do senador para apoiarem Hillary Clinton, e a convenção democrata começou nesta segunda-feira, em Filadélfia, em clima de guerra. O escândalo do vazamento dos e-mails da cúpula do Partido Democrata, que mostra que os caciques da legenda trabalharam para favorecer a ex-secretária de Estado nas primárias, deu ainda mais argumento aos que querem contestar os resultados, alegando que Sanders foi boicotado. As vaias ao nome de Hillary chegaram a ser mais fortes que os aplausos de apoio à candidata, mostrando um partido muito dividido. Protestos do lado de fora do Wells Fargo Center e no centro histórico da cidade ajudaram a completar o clima de enfrentamento dentro da legenda, justo num momento em que o republicano, Donald Trump, aparece à frente de Hillary em pesquisas eleitorais. euademocrata

? Vim com nariz de palhaço, pois é assim que estamos nos sentindo. Esta convenção é a confirmação de um golpe contra a vontade do povo que pode significar o fim do partido ? criticou o delegado Matthew Frinkstein, da Califórnia.

O clima de enfrentamento não mudou nem mesmo depois do discurso de Bernie Sanders, horas antes da abertura da convenção, quando pediu paz e que seus apoiadores votem na chapa democrata que será oficializada em Filadélfia.

? Temos que derrotar Trump. Temos que eleger Hillary Clinton e Tim Kaine – afirmou o senador de Vermont, chamando o magnata de “tirano” e “demagogo”.

Mas seus seguidores vaiaram a sugestão, gritando que o queriam como candidato:

? Irmãos e irmãs, este é o mundo real no qual vivemos. Trump é um valentão e um demagogo ? disse Sanders.

A plateia reagiu dizendo que Hillary também era demagoga. Antes, o senador apontara os ganhos de sua campanha, destacando que, graças a ela, o partido terá sua plataforma mais progressista até o momento e que eles “fizeram história”. Esta deve ser a linha do discurso que faria na noite de hoje, mas que ainda não havia ocorrido até o fechamento desta edição.

Os mais de 19 mil e-mails trocados entre importantes figuras da legenda durante as primárias revelam profundas divergências e uma atmosfera de ódio e rancor entre partidários de Hillary e de Sanders. E também sugerem que o comitê favoreceu Hillary, reforçando uma das acusações do senador por Vermont. O FBI (a polícia federal) investiga o vazamento, e democratas acusam russos. Mas nem mesmo o pedido formal de “sinceras desculpas” feitas a Sanders reduziu a pressão política. Em nota, a direção da legenda disse também que o vazamento realizado pelo WikiLeaks foi “imperdoável”.

Mais cedo, a presidente do Comitê Nacional Democrata, Debbie Wasserman Schultz, foi vaiada num evento com os delegados da Flórida, estado pelo qual é deputada. Debbie renunciou no domingo após o vazamento dos e-mails pelo site WikiLeaks na sexta-feira, numa decisão que será formalizada no final da convenção. O evento será presidido interinamente pela vice da legenda, Donna Brazile.

O episódio pode ferir fortemente o partido, de forma semelhante à que ocorreu com a legenda republicana, também rachada por causa da controversa candidatura de Trump. Hoje, nas manifestações ao lado de fora da convenção, muitos exibiam cartazes com a mensagem #DemExit, em referência à debandada da legenda. Um dos momentos mais aplaudidos foi quando a deputada Daine Russell defendeu uma emenda para reduzir em até dois terços o total de superdelegados – figuras proeminentes da legenda que votam diretamente na convenção, sem seguir o decidido nas primárias. Hoje eles representam 15% do total dos delegados, e ajudaram a eleger Hillary.

? Quero convencer os superdelegados a votarem em Sanders e fazer a eleição que os EUA querem ? afirmou Molly Tyson, que viajou de São Francisco apenas para protestar. – Se ele não for nomeado, não voto. Não vou dar meu voto a Hillary e imagino que a maioria de seus apoiadores farão o mesmo.

Segundo um novo levantamento da CNN, Trump tem 48% das intenções de votos, contra 45% de Hillary. O republicano aproveitou para tentar, mais uma vez, seduzir os eleitores do senador, afirmando que ele também é contrário à Parceria Transpacífica, acordo comercial entre os EUA, nações asiáticas e América Latina. E lembrou que o vice escolhido por Hillary, Tim Kaine, é favorável ao acordo.

Nate Silver, do site FiveThirtyEight, lembra que os candidatos sempre ganham alguns pontos após a convenção, mas afirma que Trump já vinha conquistando eleitores por causa do escândalo dos e-mails pessoais de Hillary, da onda de violência racial que afeta os EUA, e da avaliação do governo de Barack Obama. “A pesquisa sugere que, se a eleição fosse realizada hoje, Trump seria favorito por pouco, com chances de 57% de vencer no colégio eleitoral”.

MENSAGENS POLÊMICAS

Atiçando a imprensa: O diretor de comunicação do comitê, Mark Paustenbach, escreveu a um colega sobre a possibilidade de instar repórteres a escreverem que a campanha de Sanders era “uma bagunça”.

Religião: O diretor financeiro do partido, Brad Marshall, sugeriu um plano para questionar o pré-candidato judeu sobre sua religião, antes das primárias em Kentucky e Virgínia Ocidental, estados com maioria evangélica.

Xingamentos: Paustenbach destaca, em outra mensagem, que o chefe de campanha de Sanders, Jeff Weaver, afirmara que o pré-candidato continuaria a enfrentar Hillary até a convenção. “Ele (Weaver) é um babaca”, respondeu a presidente do comitê.

Estranho no ninho: Schultz ainda se referiu a Weaver, como “um mentiroso desgraçado” e lembrou que o senador de Vermont era um estranho no ninho democrata.