Policial

Em carta a ministra, presos citam “porões medievais da ditadura”

Curitiba – Um dia depois de o governador Beto Richa autoelogiar o sistema penitenciário paranaense, citando suposta manifestação da ministra Cármen Lúcia, vem a público uma carta-manifesto redigida por presos que descrevem violações à Lei de Execuções Penais e a tratados internacionais de direitos humanos dentro dos presídios do Paraná. Cármen é presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

O documento tem dez páginas e assinado por mais de mil detentos. Os presos pedem ainda uma vistoria integral no presídio por parte do Depen (Departamento Penitenciário Nacional) e uma sindicância para apurar as denúncias.

O texto foi entregue em mãos pelos detentos à presidente do Conselho da Comunidade de Curitiba, Isabel Mendes, durante visita à PCE. Na ocasião, eles pediram que a carta chegasse às autoridades nacionais do sistema penitenciário. O Conselho remeteu o documento original à ministra Cármen Lúcia e uma cópia ao governador Beto Richa (PSDB).

“É uma carta importante porque não passou pela censura, o que é incomum nas penitenciárias. Sempre há muita vigilância por parte do Estado. (…) É uma visão de dentro, de quem é diretamente atingido por uma execução penal ilegal, sem banho de sol, estudo ou trabalho”, destaca Isabel Mendes.

Embora o documento tenha sido assinado por presos da PCE, a situação das demais penitenciárias não é muito diferente. Em Cascavel, por exemplo, a Penitenciária Estadual foi destruída durante rebelião em novembro e até agora não houve início das obras. Os cerca de 700 presos, que passaram mais de 40 dias amontoados no pátio, apenas de cueca e com um banheiro coletivo, agora estão empilhados nas celas que sobraram. Desde 9 de novembro eles não recebem visita de familiares devido à precariedade da estrutura.

O relato

O manuscrito registra que a PCE é “conhecida pelo seu passado macabro e violento” e que lembra “os porões medievais da ditadura”. O texto é dividido em sete tópicos, cada um esmiuçando uma violação à Lei de Execuções Penais. Segundo os presos, “a PCE não pestaneja quando se refere a infringir leis, criar suas próprias normas e diretrizes, e manda ‘pro Diabo’ os princípios básicos da LEP, Constituição Federal e Convenção dos Direitos Humanos Universal”.

Os detentos relatam ainda tentativas da administração penitenciária de esconder os problemas durante vistorias ou visitas da imprensa. “É feito maquiagem – isso mesmo, maquiagem – de causar inveja nos renomados produtores do Projack [sic] e Hollioud [sic]”.

De acordo com os relatos, os presidiários saem das celas uma vez por semana apenas por suposta falta de efetivo de agentes – mas que os presos garantem ser “falta de organização”. “Permanecemos quase 700 horas/mês, mais de 1.000 horas/ano taciturnamente enclausurados”.

O manuscrito relata ainda a superlotação (em que as celas são descritas como “sarcófagos” e “passarela de ratos”) e a falta de qualidade da alimentação.

Conselho e STF

O canal entre o Conselho da Comunidade e a ministra Cármen Lúcia começou a ser consolidado mês passado, quando a presidente do STF visitou o Paraná. Isabel Mendes espera que a carta sirva de alerta e que ajude a fazer com o que os magistrados foquem mais no sistema penitenciário paranaense.

“A Cármen Lúcia me pediu pessoalmente que encaminhasse a ela os problemas do sistema penitenciário do Paraná. O intuito é contar a verdade. As políticas públicas precisam ser sérias”, completa.

Depen nega problemas

Por meio de sua assessoria de comunicação, o Depen informou que “não existe registro na Corregedoria do Depen ou na ouvidoria da Sesp sobre maus-tratos de servidores para com visitantes”. O órgão reconheceu que o banho de sol ocorre uma vez por semana, “no entanto, em vez de duas horas diárias, o banho de sol é ofertado o dia todo, das 9h às 16h” e que os detentos têm acesso ao pátio nos fins de semana, quando ocorrem as visitas.

“A Penitenciária Central do Estado é a maior penitenciária do Paraná, abrigando atualmente 1.645 presos, cujo projeto arquitetônico remonta dos anos 70 e se constituí em uma unidade de difícil movimentação de presos. Todos os esforços estão concentrados no sentido de manter a segurança dos agentes penitenciários, presos e do regime disciplinar, sem se olvidar do indispensável tratamento penal que resulta de programas assistenciais: trabalho, educação e leitura”, disse o diretor-geral do Depen, Luiz Alberto Cartaxo.