Policial

?Ele era a continuação do meu viver', diz mãe de jovem morto no Querosene

RIO – 'Pus a mão no sangue que estava ao lado do corpo e passei no rosto mesmo. Por que é o meu sangue, ele (o filho) era a continuação do meu viver'. Com este relato, Sheila Cristina Nogueira, de 46 anos, tentava colocar em palavras a dor sentida desde a morte do filho Carlos Eduardo Nogueira da Silva, de 19 anos, na última sexta-feira. Ele foi atingido por uma bala perdida na porta de casa, no Morro do Querosene, quando tomava água de coco com um amigo. Mãe de 11 filhos – ela teve 14, mas três morreram – além da dificuldade para liberar o corpo, ela ainda conta que não tem dinheiro para o enterro.

Carlos Eduardo não tinha carteira de identidade. Para liberar o corpo, a mãe precisou mostrar a certidão de nascimento do rapaz. Mesmo assim, o drama não acabou, já que sem dinheiro para entregar à funerária o corpo não poderia deixar o IML:

— Todo mundo me ajuda. Eu tenho o apoio de muita gente que eu posso chamar de anjo da guarda aqui na terra, porque 'geral' gosta de mim. Mas, neste momento preciso do dinheiro para enterrar o corpo do meu filho e não tenho. Vou passar a sacolinha para ver se faço o sepultamento ainda hoje no Cemitério do Catumbi — disse na porta do Instituto Médico-Legal (IML) de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, para onde o corpo do filho foi levado, antes de ser novamente encaminhado à unidade do Centro do Rio, para onde ela retornou com uma das filhas, Gabriela Yasmim, de 22 anos, e uma vizinha.

O crime está sendo investigado pela Delegacia de Homicídios (DH) da Capital. Além de enterrar seu filho, Sheila Cristina pede justiça, e se apressa em defender a honra do filho.

— Era um ótimo filho. Se fosse péssimo eu iria dizer. Mas não era. O pouco que ele arrumava ele me ajudava. Meu filho era um inocente. Se ele fosse traficante eu iria falar. Mesmo sendo a dor de uma mãe eu falaria, porque entrou na vida errada. Mas meu filho não estava na vida errada, nem nunca esteve. Tanto que meu filho estava até na igreja. O pessoal que compareceu na delegacia (Delegacia de Homicídios da capital) foi a minha filha e dois senhores acompanhados do filho dele, que é menor e que é da mesma igreja que meu filho frequentava – disse.

Sheila disse ainda que faz questão de saber quem atirou no filho. Ela diz ter certeza de que o atirador foi algum policial do Batalhão de Operações Especiais (Bope) que, segundo ela, fez uma ação no Morro do Fallet na manhã de sexta-feira.

— O policial (da UPP) disse que não tinha sido nenhum deles. Ele falou que tinha sido o pessoal do Bope. Por que, de fato, as últimas pessoas que desceram no caveirão foram do Bope. Só que quando eu cheguei eu já não encontrei mais eles. Quero olhar para ele (o acusado) e perguntar se ele teve estudo. E, mesmo assim, não tem que passar por um exame? Operação é de um lado e manda tiro para o outro, onde não tem operação? – questiona o mulher, que continua:

– Conforme aconteceu com meu filho, poderia ter acontecido com uma criança até menor ainda, ou poderia ser eu e qualquer outra pessoa. E aí, é assim? Que estudo é esse que eles têm? Ele pode ter visto essa foto (dela com sangue do filho no rosto) e dado bastante risada da minha cara. Mas infelizmente, quando eu me deparar com ele, não vou rir nem um pouco. Vou perguntar: esse foi o melhor presente que você pôde me dar? Se fosse com ele a mãe estaria conformada? Não.

Dos 11 filhos, quatro são crianças (Gabriel, de 3 anos; Ezequiel, de 4; Vitória, de 5; e Marcos Alexandre, de 7) e dois adolescentes (André Luiz, de 12 anos; e Marcela, de 17). É para eles que ela diz batalhar diariamente para sustentar. Cata latinhas e trabalha como diarista quando surge algum trabalho. Por dia, consegue obter no máximo R$ 30. Além de Carlos Eduardo, ela já tinha perdida uma criança recém-nascida que teve problemas de saúde, e um garoto aos 12 anos que caiu de uma árvore quando foi pegar um pipa.

Sheila conta que mora com o atual companheiro num imóvel de quarto, sala, cozinha e dois banheiros. O gari comunitário Ubirajara Gonçalvez, de 50 anos, é o pai de seus filhos mais novos.

Segundo Bruno José Nogueira da Silva, de 24 anos, outro filho de Sheila Cristina, parentes e amigos estão fazendo uma “vaquinha” para conseguir os pouco mais de mil reais necessários para o sepultamento do corpo.

— Até agora conseguimos R$ 500 e pouco. Ainda esperamos ajuda para poder enterrar o corpo do meu irmão. Minha mãe já foi para o IML, mas ninguém sabe ainda o que vai acontecer — lamentou o jovem, que vende salgados nas praias da Zona Sul.

Ele também acusou policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) pelo tiro que matou seu irmão:

— Eles fizeram uma operação de manhã no Morro do Fallet. Por volta das 14h, quando estavam descendo para a Rua Itapiru (no Catumbi), ouvimos dois tiros. Um se perdeu. O outro matou meu irmão. E depois disso ainda vimos os policiais comemorando a morte numa padaria da Rua Itapiru — acusou o irmão.

POLÍCIA DEVE PERICIAR ARMAS

No sábado, o delegado titular da Delegacia de Homicídios da capital, Fábio Cardoso, informou que investigadores da unidade ouviram de moradores do Morro do Querosene e adjacências que o Bope fez uma operação na manhã de sexta-feira e que, caso isso seja confirmado, vai requisitar armas de quem participou da ação para confronto balístico.

O delegado disse que a perícia de local feita pela Grupo Especial de Local de Crime, da DH, constatou que a vítima morreu com um tiro no lado esquerdo do rosto. E que o fato de não ter sido encontrado outra perfuração pode indicar que o projétil ficou alojado no corpo de Carlos Eduardo.

— A perícia constatou uma perfuração no lado esquerdo somente. O importante agora é recolher o projétil para um futuro confronto balístico. É preciso que ele esteja íntegro — disse Cardoso.

Na manhã de sexta-feira, um tiroteio no Morro do Fallet, em Santa Teresa, próximo ao Morro do Querosene, deixou duas pessoas baleadas, que foram socorridas e levadas para o Hospital municipal Souza Aguiar, no Centro, segundo a Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP). A mesma nota informa ter havido um confronto entre policiais e traficantes no Fallet.

Segundo a CPP, policiais da UPP São Carlos receberam a informação de que havia um homem morto no Morro do Querosene. A coordenadoria informou que a UPP local não realizou operação na comunidade e que não houve pedido de reforço às unidades que integram o Comando de Operações Especiais (COE) – Batalhão de Choque, Bope, Batalhão de Ação com Cães (BAC) e Grupamento Aero-Marítimo (GAM).