Cotidiano

El Caballo e a sedução das grandes palavras

62939555_FILES This file photo taken in the 1970s in Havana shows Cuban Prim.jpg?No futuro, todos que não forem partidários de Fidel, serão acusados de imoralidade?, escreveu o cronista Miguel Bauza, em um artigo publicado no jornal Bohemia, em dezembro de 1955. À época, Fidel achava-se na Cidade do México, preparando o desembarque guerrilheiro na Ilha, e ainda havia imprensa circulando livremente pela Ilha de Cuba.

Não demorou muito para que a profecia de Bauza se fizesse história. Milhares de histórias. Uma delas foi a de Mario Chanes, morto em 2007, no exílio. Mário desembarcou com Fidel Castro, a bordo do ?Gramna?, e lutou na Sierra Maestra. Acreditava na promessa de uma democracia para Cuba. Ainda em 1959, divergiu dos rumos da revolução, foi condenado e encarcerado por 31 anos, tornando-se o preso político mais longevo do mundo. Outra foi a história de Pedro Boitel, a jovem promessa da revolução, que em 1960 ousou se candidatar a uma posição na federação universitária de Cuba, contra a orientação de Castro. Encarcerado, condenado a 30 anos de prisão, morreu em 1971, depois de uma greve de fome de 53 dias, com a mãe, antiga conhecida de Fidel, em vigília ao lado do presídio de Castilho del Príncipe, em Havana. Pedro e Mário não cometeram crime algum. Eram mesmo revolucionários de primeira hora. Mas cometeram, como muitos cubanos, nestes 58 anos, o grande pecado, anunciado por Bauza.

Castro chega ao poder no ano novo de 1959, e lá permanece até sua morte, ocorrida na madrugada deste sábado (26), segundo informou seu irmão e atual dirigente de Cuba, Raúl Castro em pronunciamento em cadeia nacional. Formalmente, deixou a função de Presidente de Cuba e Chefe das Forças Armadas em 2006, mas manteve o poder em família, até o fim, com seu fidelíssimo irmão. Em qualquer conta que se faça, Fidel foi o mais longevo ditador da era contemporânea, superando mesmo o norte-coreano Kim Il-sung, que permaneceu por 46 anos no poder. Há algumas unanimidades nos juízos que sobre ele se fazem: a obsessão quase doentia pelo poder, a autoconfiança quase mística, o carisma. Há também controvérsias. A maior de todas seguramente é sobre como foi possível preservar um regime socialista ortodoxo durante todo este tempo, muito além da dissolução do bloco soviético. Há muitas respostas. Carlos Alberto Montaner possivelmente exagere quando diz: pelas mesmas razões que a ditadura da família Kim permanece no poder, na Coreia do Norte. Há algo que ver com isto. Há o aparato repressivo, o sistema do medo, é certo. Mas seguramente o tema é mais complexo. Os historiadores terão, doravante, tempo e material suficiente para desvendar o mistério.

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Fernando Schüler é doutor em Filosofia (UFRGS) e curador do Projeto Fronteiras do Pensamento