Esportes

É esporte ou entretenimento? Atletas põem o UFC na berlinda

Não é um bom momento para ser brasileiro no UFC. O evento de MMA, comprado este ano por mais de US$ 4 bilhões (quase R$ 13 bilhões) por um grupo de entretenimento americano, está de olho em superastros internacionais e inchado de atletas brasileiros. São 86 hoje em dia, e o país só perde para os Estados Unidos em quantidade. Uma degola geral e irrestrita está em curso. Cairão mais rápido lutadores com menor número de seguidores em redes sociais, que levam menos torcedores aos eventos. São aqueles que não entretêm e vendem menos.

Ser derrotado no octógono também conta, mas nem tanto. Quem atrai público e garante boas vendas nem precisa de cartel impecável para disputar o cinturão ou aparecer na luta principal, aquela que ilustra os cartazes do UFC e garante mídia aos lutadores. Assim o Ultimate Fighting Championship se assume de vez como evento de entretenimento que promove lutas de MMA e mira novos mercados.

UFC 15/10

Em conversa com O GLOBO, Jorge Guimarães e Alex Davis, dois dos maiores empresários de lutadores brasileiros, mostram-se preocupados.

? Antes tinha um boom econômico, e o UFC chegou com tudo no Brasil, mas estamos em crise financeira, e agora eles estão mais focados no Oriente. Querem criar estrelas por lá, querem estrelas do México, estão apostando em novos mercados e no entretenimento. Então, haverá cada vez mais brasileiros mandados embora, isso já está acontecendo ? analisa Guimarães, conhecido como Joinha, que agencia nomes como Anderson Silva e Lyoto Machida.

Alex Davis, que conta com 16 lutadores no UFC, acrescenta:

? Tem brasileiro demais lá, e querem demitir. Agora, o foco são outros países. O cara que fala inglês e sabe se promover tem mais chances que um cara como José Aldo (ex-campeão peso-pena), que deveria disputar o cinturão pelo currículo que construiu, mas acaba em segundo plano. Eu entendo que esporte é entretenimento, mas só dar atenção aos que vendem mais acaba atrapalhando a competição.

VOLTA À ORIGEM

O UFC nasceu para entreter. Seu idealizador, Rorion Gracie, até cogitou a ideia, que hoje soa ridícula, de soltar crocodilos ou tubarões num tanque que ficaria em volta do octógono enquanto as lutas eram travadas. Também pensou em usar choques elétricos no alto da grade do octógono para quem tentasse escapar de lá. Apesar de vetados o crocodilo e o choque, a primeira edição do UFC, em 1993, teve direção artística do cineasta John Milius, um dos roteiristas de ?Apocalypse Now? e ?Conan, o Bárbaro”.

Nos últimos anos, o UFC balançou entre entretenimento descarado e competição esportiva. Para ganhar credibilidade como esporte, criou regras referendadas por comissões de boxe, inventou meios de inibir o doping e até sacou um ranking para destacar os melhores de cada divisão.

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Ao mesmo tempo, contratou astros de outros esportes, como jogadores de futebol americano ou lutadores de luta livre encenada. E deu mais espaço a eles do que a outros atletas que tinham cartel melhor.

UFC 15/10 – Parte 2

? O UFC tem feito as lutas que os fãs querem ver. Pode não ter sido justo com José Aldo, mas faz sentido para os negócios. O UFC precisa sobreviver num mundo obcecado por futebol, basquete e beisebol ? opina Nick Peet, jornalista especializado e editor da ?Fighters Only Magazine?.

De um tempo para cá, o evento passou a apostar em superlutas, ou ?money fights? (combates para fazer dinheiro).

? Conor McGregor, o irlandês campeão do peso-pena, mostrou que é possível bater recordes de vendas sem cinturão em jogo ? destaca Joinha.

A revanche dele contra Nate Diaz, em peso combinado, vendeu 1,6 milhão de pacotes pay-per-view e deixou para trás o UFC 200, que teve astros como Brock Lesnar e Anderson Silva, além de duas disputas de título.

? O UFC está focando muito nessa parte de vendas, e aquele atleta que às vezes merece mais eles talvez deixem para escanteio ? comenta Gleison Tibau, lutador da principal organização do mundo desde 2006.

JACARÉ REVOLTADO

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José Aldo pediu demissão após ser adiada mais uma vez sua revanche contra McGregor. E Ronaldo Jacaré, um dos melhores do peso-médio desde 2013, está revoltado por não ter enfrentado ainda o campeão de sua categoria:

?Lutamos muito para o MMA ser considerado esporte, passamos por muitos preconceitos, e não podemos ter esse retrocesso de deixar o entretenimento sufocar o que fazemos no octógono ? desabafa.

Com 23 vitórias em 27 combates, Jacaré é praticamente unanimidade entre os especialistas como merecedor da chance de disputar o cinturão.

?A Olimpíada é um excelente exemplo: o Cesar Cielo é um ídolo nacional, um dos melhores nadadores que o Brasil já teve, medalhista de ouro, e mesmo assim não conseguiu disputar a Olimpíada no Rio. Ele “venderia” muito mais que o outro brasileiro que ficou com a vaga, mas não foi o melhor no ciclo olímpico. Fim de papo! ? argumenta.