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?É amor, tiro, porrada e bomba?

coach.jpgRIO – De tanto gritar na véspera, a coach esportiva Nell Salgado acordou nesta terça-feira com a voz rouca e dor de garganta. Não era para menos. Enquanto Rafaela Silva brigava pelo ouro no tatame da Arena Carioca 2 do Parque Olímpico, ela, da área técnica, incentivava a jovem, que acompanha desde 2012. Nell foi fundamental para que a atleta superasse, naquele ano, o trauma de Londres e não abandonasse o judô. A coach se mostra carinhosa, mas firme. Bem-humorada, ela descreve sua relação com Rafaela: ?É amor, tiro, porrada e bomba?.

? Sou um espinho na carne dela. Quanto mais raiva, melhor o resultado ? ensina. ? Diariamente dou muitos puxões de orelha na Rafaela. Ela tem um gênio forte.

No domingo, Nell passou das 17h às 21h na Vila dos Atletas preparando Rafaela para a disputa. No dia da luta, a judoca ficou concentrada, sem conversar com ninguém. Nas horas que antecedem sua entrada no tatame, prefere o silêncio. Infográficos Especiais – JUDO

? Quando está lutando, grito palavras-chaves, expressões que têm sentido forte para Rafaela. ?Tua história?, ?atenção?, por exemplo ? lembra Nell.

A coach revela que um pequeno pecado da atleta é gostar de refrigerante:

? Ela ama Coca-Cola. Não digo para não tomar. Pergunto: ?O refrigerante está liberado em sua dieta??. Ontem (segunda-feira), na festa de comemoração do ouro, ela me perguntou se podia beber. Eu disse: ?Hoje, pode?. Vou deixar ela respirar por uma semana.

Em 2012, Rafaela havia chegado em Londres como vice campeã mundial, e foi desclassificada na segunda luta por tentar aplicar um golpe ilegal. Há quatro anos, nas redes sociais, Rafaela trocara xingamentos com torcedores que a criticaram pelo erro. Sem falar nas ofensas racistas que rondavam o tatame de Rafaela. Ela chegou a ser chamada de macaca e disseram, até mesmo, que deveria ficar em uma jaula.

Foi a irmã mais velha de Rafaela, Raquel, que apresentou Nell à caçula. Na época, a coach acompanhava Raquel no projeto do ex-judoca Flávio Canto, o Instituto Reação, em Jacarepaguá. Nell recorda que, quando começou a trabalhar com Rafaela passou a enaltecer as suas qualidades e a fazer perguntas, para seu autoconhecimento.

? Ela só conseguia ver o que era ruim. E eu perguntava como tinha chegado a Londres. Aí, já dizia: ?Eu me sinto uma vencedora?. Fiz a Rafaela visualizar a Olimpíada de 2016. Qual seria o tamanho dessa dor, se ela estivesse fora do judô? Fiz ver se suportaria a dor ? conta a psicóloga. ? Estava desacreditada, quando a encontrei. Mas, no ano seguinte (2013) se tornou a primeira brasileira a ser campeã mundial de judô no Rio de Janeiro.

Em sua página no Facebook, Nell posta uma foto sua ao lado de Rafaela, segurando a medalha de ouro, e resume a emoção com o ouro conquistado pela jovem da Cidade de Deus, na última segunda-feira: ?Que palavras poderiam descrever essa foto? Foco, alegria, determinação, amizade, resiliência, garra, superação é muito…mas muito amor. Pra sempre a seu lado Nega”.

Nell descreve a atleta como uma jovem caseira, que sequer sai à noite:

? Mas é uma moça que veio de comunidade. Precisei trabalhar a sua agressividade fora do tatame.

Aos 44 anos, Nell trabalha com atletas de alto rendimento há seis. Além de Rafaela (categoria menos de 57 quilos), acompanha na Olimpíada outra lutadora de judô: Mariana Silva, que começou a campanha com bons resultados, acabando em quarto lugar e perdendo o bronze para a holandesa Anicka van Emden. A coach trabalha ainda com Ingrid de Oliveira, que disputa saltos ornamentais.