Cotidiano

Dirty Projectors lança álbum sobre fim de relacionamento entre cantor e guitarrista

RIO ? Está aberta a temporada dos lançamentos de álbuns sobre casais desfeitos. Depois de ?Prisioner?, de Ryan Adams, chegou a vez de ?Dirty Projectors?, da banda de mesmo nome, uma das mais inventivas e sofisticadas a surgir no painel da música alternativa na última década. Aliás, a esta altura, chamar o Dirty Projectors de banda nem seria o correto: seu novo disco é, na verdade, um projeto solo do cantor, compositor e multi-instrumentista David Longstreth sobre o fim de sua relação com a cantora e guitarrista Amber Coffman, que deixou o grupo (e Longstreth) em 2013.

Bem menos enigmático do que de costume, o músico abre o coração em um ciclo de nove canções que cumprem seu papel confessional sem interromper a admirável trajetória de renovação musical que passa por álbuns como ?Bitte Orca? (2009) e ?Swing Lo Magellan? (2012).

Desta vez com a ajuda do produtor de música eletrônica Tyondai Braxton e do percussionista brasileiro Mauro Refosco (que toca com os Red Hot Chili Peppers), David Longstreth leva a um novo patamar o seu diálogo entre o indie rock de orientação mais experimental e o r&b. Com estrutura clássica de balada de piano, ?I keep your name? abre ?Dirty Projectors? com tom de grande tristeza e, também, de incômoda estranheza nos efeitos que desfiguram a voz que canta ?você me abandonou, você era minha alma e minha companheira?. Não há guitarras na canção ? do velho DP, apenas um sample saudoso (e sofrido) dos vocais femininos de ?Impregnable question?, uma das faixas de ?Swing Lo Megellan?.

Segunda canção do álbum, ?Death spiral? aproxima os Dirty Projectors do hip-hop, com suas batidas, seu violão e piano esparsos e com o registro vocal soul de Longstreth. Ela desemboca em ?Up in the Hudson?, talvez a grande faixa do disco, que abre com uma harmonia vocal de doo-wop robótico e navega por um sample de ?The first time ever I saw your face?, de Roberta Flack, para contar a história dos tempos felizes dos dois cantores e amantes na estrada com os Dirty Projectors. Na segunda metade da faixa, percussão e microfonia de guitarra compõem uma das mais curiosas passagens instrumentais da história da banda.

O diário do casal avança pela rítmica e cuidadosamente orquestrada ?Work together? (?você me fez sentir que talvez o amor / talvez o amor seja competição?), pela falsa balada soul dos anos 1970 ?Little bubble? (?nós tivemos a nossa própria pequena bolha por um tempo?) e no r&b zoado de ?Winner take nothing?, que explicita na letra a referência a ?808s & heartbreak?, álbum de fim de caso do rapper Kanye West, clara influência de ?Dirty Projectors?. Em ?Ascent through clouds?, o clima muda, com piano e violão em clima folk/prog e várias intervenções eletrônicas.

Penúltima faixa, ?Cool your heart? é algo que se poderia dizer que é um reggae, não fosse tão torto. É a faixa quase alegre do disco, com participação da vocalista Dawn Richard, do projeto D?WN. E o encerramento se dá com ?I see you?, a música da redenção do ex-casal, com um órgão de inspiração religiosa, à la ?Whiter shade of pale?, e a mensagem de letra: ?Sim, eu acredito que o amor que fizemos é a arte?. Sim, com um punhado de memoráveis canções e um inspirado resumo da grande babel sônica de 2017, ?Dirty Projectors? extrai arte do que seria apenas um registro pessoal.