Cotidiano

Dirigido por Gustavo Gasparani, musical repensa a obra de Gilberto Gil

Gil.jpgRIO – Com sólida vivência no teatro de pesquisa e uma paixão fervorosa pela música brasileira, Gustavo Gasparani conseguiu, aos poucos, mesclar os dois mundos. Ao afastar-se da Cia. dos Atores, firmou seu nome não apenas como ator ? o solo ?Ricardo III? (2014) é um exemplo ?, mas como diretor de musicais, tornando-se um dos expoentes do gênero. Nos últimos dez anos, Gasparani assumiu a dupla função de diretor e dramaturgo, tornando evidente sua habilidade não apenas em conduzir a cena, mas também na arte de fazer canções se tornarem dramaturgia. Em ?Sambra? (2015), criado para homenagear os cem anos do samba, ele selecionou fragmentos de letras para costurar diálogos e utilizou versos para narrar trechos das biografias de sambistas incluídos no tributo. Tais expedientes também foram adotados para criar ?Gilberto Gil, aquele abraço ? O musical?, em cartaz no Teatro Clara Nunes.

? Dramaturgicamente, é o meu musical mais ousado. Não é biográfico, não é uma história e nem um acúmulo de canções para homenagear o artista ? diz. ? O que fazemos é olhar a riqueza das canções e notar a força das ideias e reflexões contidas ali. São músicas que sempre cantamos, mas nunca paramos para prestar atenção ao que dizem.

Foi observando temas e potencialidades teatrais nos versos de Gil que Gasparani organizou o trabalho em 11 diferentes blocos temáticos, que passeiam pela origem musical do artista, a Tropicália, a negritude, o amor, a religiosidade, a tecnologia e o futurismo, entre outros assuntos, como a linha entre ?vida e morte? que inspira algumas das mais agudas reflexões de Gil. Durante o processo, a leitura de versos uniu-se à de livros dedicados ao compositor, e o entendimento da obra e do artista gerou um musical reflexivo, que espelha uma visão de mundo sob a ótica dele:

? Foi nesse exercício, de ler as letras, sem música, que notei a força do Gil poeta, o quanto ele é profundo no modo de abordar temas diversos. Hoje, para mim, Gil é um poeta e um filósofo que se manifesta através da música.

ATORES PARTICIPARAM DA CRIAÇÃO

Esse interesse pelas peculiaridades contidas nas canções fez Gasparani entender que a canção popular do Brasil poderia, a partir de uma investigação teatral, gerar um formato de musical descolado da escola Broadway, com outras formas de relação entre música e texto. Um dos mais premiados criadores de musicais do país, Gasparani diz que ?Gilberto Gil, aquele abraço?? teve processo criativo semelhante ao de seu grupo, a Cia. dos Atores:

? Entre os meus musicais, esse foi o mais parecido com as criações da Cia., e isso se deve ao Gil, um artista inquieto que exigia de nós um mergulho num processo mais experimental.

Isso incluiu a participação ativa dos atores e músicos: Alan Rocha, Cristiano Gualda, Daniel Carneiro, Gabriel Manita, Jonas Hammar, Luiz Nicolau, Pedro Lima e Rodrigo Lima. São os mesmos que criaram com Gasparani o seu mais premiado musical, ?Samba Futebol Clube?. Agora, histórias, depoimentos e textos se fundem às canções de Gil ? 55 músicas são cantadas e tocadas, enquanto 36 são utilizadas como texto.

? A primeira coisa que pedi a eles foi para escolherem uma música e contar a influência dela na vida deles. Poderia ser um mero exercício, mas, como todos têm uma forte relação com Gil, as histórias que surgiram tinham força. No fim das contas, a gente fala de Gil, da vida desses atores e do Brasil ? conta.

Após investigar por uma década o samba, desde ?Otelo da Mangueira? (2005) até ?Sambra? (2015), e celebrar um ícone da Tropicália, Gasparani se prepara para mergulhar na bossa nova. Em agosto próximo, ele inaugura o Teatro Riachuelo com o musical ?A garota de Ipanema?, e é nesse caminho entre gêneros e ritmos que ele espera seguir ? em 2017 será a vez da música sertaneja entrar em seu radar.

? Minha ligação com a música surgiu do prazer… Estudava, ia a shows, a sebos, e lia de tudo sobre o assunto, mas jamais pensei que isso fosse interferir na minha profissão ? ressalta. ? O teatro era a única meta, mas sem saber eu já estava arquivando no meu HD todo o material necessário para o que faço hoje. Agora, quando me deparo com o samba, a MPB, a bossa nova, a Tropicália, tudo faz sentido. Juntar a MPB com o teatro e extrair desse encontro dramaturgia é gratificante. Descobrir e desenvolver uma linguagem para o teatro musical é o meu maior prazer.