Cotidiano

Diretor indicado para Ancine já sugeriu movimento para ?enquadrar? cineastas independentes

secretário_municipal_de_cultura_Sérgio_Sá_Leitão_-2--455.jpgRIO ? O novo indicado pelo Ministério da Cultura (MinC) para ocupar um dos quatro postos da diretoria da Agência Nacional do Cinema (Ancine) sugeriu, numa troca de e-mails há pouco mais de dois anos, um movimento para ?enquadrar?, ?isolar? e ?tirar a base de apoio? de um grupo de cineastas independentes do Rio. Na época, o jornalista Sérgio Sá Leitão acumulava as funções de secretário municipal de Cultura e de diretor-presidente da RioFilme (agência de promoção audiovisual do Rio) e vinha sofrendo críticas de parcela de diretores e produtores cariocas. ?O cinema brasileiro produziu seus black blocs?, escreveu ele.

A mensagem de Sá Leitão foi enviada em 7 de outubro de 2014 para cerca de 15 pessoas, muitas delas profissionais que regularmente buscam recursos nos editais na época gerenciados por ele. Entre os destinatários estavam o distribuidor Bruno Wainer, o cineasta Cacá Diegues, as produtoras Mariza Leão, Iafa Britz e Paula Barreto, as diretoras-executivas do Festival do Rio, Ilda Santiago e Walkíria Barbosa, a atual presidente do Sindicato da Indústria Audiovisual do Rio (Sicav), Silvia Rabello, e o diretor-presidente da Ancine, Manoel Rangel.

A motivação foi um texto distribuído à imprensa com as revindicações do Rio: Mais Cinema, Menos Cenário, um movimento lançado no Festival do Rio de 2014 para pedir mais transparência nos gastos e maior diversidade nos projetos contemplados nos editais de prefeitura e estado. Leitão começou sua mensagem citando um e-mail que teria sido enviado por Frederico Cardoso, membro da Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas, com críticas à sua gestão. Sérgio escreveu: ?Para além de denúncias vazias e argumentos tolos, o que mais chama a atenção é a postura belicosa e vingativa?.

? Pelo que está nessa mensagem, eu vejo um gestor público fazendo política para um lado só ? afirma Cardoso. ? Me parece que ele foi buscar aquele grupo de pessoas no e-mail para tentar se defender. Acho que ele ficou com um certo medo, porque o movimento vinha crescendo, com gente mais graúda apoiando.

info rasgadinho minc A mensagem de Sá Leitão seguiu citando uma reunião que teria havido com o grupo copiado no e-mail. ?É preciso enquadrar essa turma. O setor precisa se manifestar em peso contra isso. (…) Temos de mobilizar os nosso ativos. Temos de isolar os radicais. Tirar sua base de apoio?, escreveu.

? Eu não me recordo especificamente desse e-mail, e acho que e-mails e redes sociais não são lugar para fazer política. O que posso dizer é que esses termos usados não são republicanos, e te digo que não me senti convocada a participar do isolamento de turma alguma ? diz Mariza Leão. ? Mas, naquela época, a oposição feita ao Sérgio não foi justa. A Riofilme teve avanços importantes na gestão dele.

No final da mensagem, Sá Leitão se referiu aos críticos como ?black blocs? e colocou entre parênteses os nomes dos cineastas Silvio Tendler, Murilo Salles e Vânia Catani. Ao encerrar a mensagem, ele avisou ao grupo que estava incluindo Manoel Rangel na cópia dos e-mails, porque a Ancine estava citada no texto do Rio: Mais Cinema, Menos Cenário.

Ao GLOBO, Rangel disse que não se recorda de ter recebido esse e-mail. Murilo Salles, por sua vez, preferiu não comentar. Já Tendler e Vânia disseram que não entendem a razão de terem sido citados.

? Eu tenho bom trânsito com todo mundo, nunca tive articulação com um grupo contra outro ? diz Vânia. ? Me causa até desconforto saber que sugeriram meu nome nesse contexto, até porque sempre tive excelentes relações com a secretaria de Cultura e com a Riofilme.

? Ele que tem que se explicar. Certa vez o Sérgio, quando trabalhava com o Gilberto Gil no Ministério da Cultura, resolveu brigar com o Ferreira Gullar e o chamou de stalinista. Então, se ele quiser brigar comigo também, ao menos estou do lado do bem, junto ao Ferreira Gullar, acima das questões ideológicas ? afirma Tendler.

“JAMAIS TOMEI QUALQUER MEDIDA COM INTUITO DE PREJUDICAR ALGUÉM”, DIZ SÁ LEITÃO

Por e-mail, Sá Leitão explicou sua mensagem de 2014:

?O e-mail em questão foi escrito e enviado em caráter privado, por meio de meu endereço pessoal, e não dos endereços oficiais da SMC e da RioFilme, no contexto de um ataque político organizado à RioFilme, à Prefeitura do Rio e ao setor audiovisual da cidade. No texto, faço referência a uma mensagem enviada a diversos jornalistas com uma série de calúnias, injúrias e falsidades não só a respeito da RioFilme, mas também de outras instituições, como a Ancine e o MinC, e de profissionais consagrados do setor audiovisual, como o diretor e produtor Cacá Diegues.

O próprio ?Rio – Mais Cinema, Menos Cenário? informou posteriormente que a mensagem havia sido enviada aos jornalistas em caráter individual pelo autor, e não em nome do movimento. Meu intuito com o e-mail foi apenas o de articular uma defesa política da RioFilme, da Prefeitura e do setor audiovisual carioca, destacando a importância de proteger e valorizar publicamente as instituições e sobretudo as pessoas injustamente atacadas. O texto traz apenas sugestões de ações que os destinatários poderiam ou não realizar. Ele não se refere a ações da RioFilme ou da SMC-Rio. Este assunto havia sido inclusive objeto de uma reunião convocada por entidades do setor audiovisual do Rio, da qual boa parte dos destinatários do meu e-mail participou.

Tenho grande respeito e admiração por Sílvio Tendler, Murilo Salles e Vânia Catani. Ao longo do tempo em que estive na RioFilme, projetos realizados por eles foram selecionados para receber recursos, o que demonstra claramente a impessoalidade da gestão. Jamais tomei qualquer medida com o intuito de prejudicar alguém.

Em seis anos, investimos R$ 185,5 milhões em cerca de 500 projetos de mais de 200 empresas de audiovisual da cidade, gerando 32 mil empregos e mais de R$ 2 bilhões em PIB e R$ 300 milhões em impostos. Sempre pautei a minha atuação pela defesa intransigente do setor audiovisual brasileiro e pela mais absoluta integridade. Fiz o e-mail citado com o objetivo de defender as instituições em que trabalhava, o interesse público e pessoas íntegras, honestas e sérias como Cacá Diegues.?

O Ministério da Cultura não quis se pronunciar sobre o conteúdo da mensagem. Sá Leitão foi anunciado nesta quarta-feira como o nome indicado pelo ministro Roberto Freire para substituir Rosana Alcântara, cujo mandato na diretoria da Ancine se encerra nesta semana. O nome do jornalista ainda precisa de aprovação da presidência da República, e ele terá que ser sabatinado pelo Senado antes de confirmada sua nomeação. Sá Leitão foi diretor da Ancine entre março de 2007 e dezembro de 2008.