Cotidiano

Diretor de 'Pequeno segredo' rebate críticas: 'Evitei o sentimentalismo?

RIO?Um mês depois de ter sido selecionado como representante brasileiro no Oscar, ?Pequeno segredo? ganha a sua primeira exibição pública no Rio hoje, às 19h30m, no Cine Odeon, dentro da programação do Festival do Rio (a estreia nacional em grande circuito está marcada para 10 de novembro). De lá para cá, o filme involuntariamente se tornou centro da maior polêmica envolvendo a escolha de um longa para tentar uma vaga entre os finalistas da premiação americana, já que até então ?Aquarius?, de Kleber Mendonça Filho, era considerado o favorito.

A comissão responsável pela decisão foi alvo de ataques, assim como a própria equipe de ?Pequeno segredo?. Com os ânimos menos acirrados, o diretor David Schürmann agora se prepara para mergulhar na campanha pelo Oscar. Amanhã, viaja para Los Angeles. Serão cerca de US$ 250 mil (US$ 60 mil vindos da Ancine) investidos no marketing, que envolve projeções, anúncios e coquetéis. É um valor modesto se comparado aos padrões hollywoodianos. Nesta semana, a primeira sessão para parte dos votantes do Globo de Ouro e do Oscar terminou em aplausos. Produtores americanos também estão empenhados em ajudar na promoção ? entre eles o vencedor do Oscar Barrie M. Osborne, da trilogia ?O Senhor dos Anéis?.

? Terei que usar o mar como metáfora: recebi muita onda na cara ? compara David, um dos três filhos do casal Vilfredo e Heloísa, que compõem a família Schürmann, conhecida por velejar ao redor do mundo. ? Senti uma surpresa agradável quando o filme foi selecionado, mas aí vieram os jornalistas. Disseram que era carta marcada, que eu sabia que iria ganhar. Críticas publicadas analisaram o longa politicamente. Na internet, recebi ataques de pessoas que não haviam visto o filme. A ironia é que elas, ao mesmo tempo, criticam os ?reaças?. Essa conta não fecha.

Uma montagem compartilhada nas redes sociais substituía o título do cartaz pela expressão ?Pequeno golpe? ? numa referência à acusação de que o governo incentivou a escolha da obra de David como retaliação a Kleber Mendonça Filho, que em maio protestou em Cannes, chamando de ?golpe? o afastamento da então presidente Dilma Rousseff.

? O que me deixou mais triste foi quando cineastas que admiro fizeram chacota com aquela montagem. Isso foi baixo. Parte da minha equipe ficou doída. Não vou descer ao nível de alguns de meus colegas cineastas. Isso não é briga de bar. Já é tão difícil fazer cinema no Brasil… Precisamos de união ? desabafa o diretor, que afirma não ter conversado com Mendonça Filho desde então. ? Tentaram me arrastar para um ringue para brigar com o Kleber. Jamais. Tenho o maior respeito por ele e pelo filme dele.

?Pequeno segredo? conta a história da irmã adotiva de David, Kat Schürmann (vivida por Mariana Goulart), que morreu em 2006, aos 13 anos, por complicações da Aids. A trama é costurada por duas linhas temporais. Uma se concentra na menina, focando em seu dia a dia como aspirante a bailarina. Ela não desconfia ser portadora do vírus HIV, e acredita que os remédios que toma sejam vitaminas ? a mãe, Heloísa (Julia Lemmertz), rasga as embalagens dos medicamentos justamente para a filha não descobrir o ?pequeno segredo?. Paralelamente, conhecemos a história da brasileira Jeanne (Maria Flor) e do neozelandês Robert (Erroll Shand), pais biológicos de Kat. A trajetória de ambos sofre um baque quando Jeanne contrai o vírus após uma transfusão de sangue, contaminando o parceiro e a própria filha, ao engravidar. É aí que as duas narrativas se encontram, já que o casal Heloísa e Vilfredo Schürmann (Marcello Antony) aceita adotar a criança.

MEIO TERMO ENTRE COMERCIAL E ARTE

A vida de Kat Schürmann já havia sido relatada no livro homônimo de Heloísa, publicado em 2012. Mas o filme não é uma adaptação. David optou por contar a sua própria visão, a partir de sua experiência pessoal e íntima com a irmã.

? Apesar disso, manter distanciamento emocional foi fundamental, senão viraria um filme institucional de família. Uma vez, durante as filmagens, olhei para trás e vi a equipe chorando, por causa do peso de trama. Mas eu não me deixava envolver ? pondera David.

Após o filme ter sido exibido em sessões fechadas para a imprensa, alguns críticos de cinema atacaram justamente o que consideraram ?excesso de sentimentalismo?, realçado pela trilha sonora de Antonio Pinto. David rebate. Diz ter evitado o sensacionalismo, focando na vida de Kat, e não em sua morte. O longa, por exemplo, não se aprofunda nas complicações da doença, nem nos efeitos colaterais provocados pelos remédios, que na época eram difíceis de ser tolerados.

? Na cena da revelação, em que Kat descobre ter a doença, não há música. A câmera não se mexe. Não há ?chororô? ? defende-se ele, voltando a se dirigir aos detratores. ? Mas as pessoas já foram ver o filme com raiva, prontos para detoná-lo. Eu queria encontrar o meio termo entre filme de arte e comercial. Acho que agora as pessoas estão começando a entendê-lo.