Cotidiano

Direitos e deveres

2015 832737475-2015071372073.jpg_20150713.jpgA Constituição Cidadã de Ulysses Guimarães, promulgada em 1988, que completou ontem 28 anos, não o levou à Presidência da República no ano seguinte, mas ampliou e consolidou os direitos do cidadão de tal forma que, para muitos, tornou o país ingovernável, como previu José Sarney.

Na leitura do sociólogo José Pastore, um dos maiores especialistas em legislação trabalhista, essa inviabilidade traduz-se na seguinte conta: a Constituição fala 76 vezes em direitos, e apenas 6 vezes em deveres. Ulysses tinha razão ao atribuir à Constituição papel decisivo em sua campanha à Presidência, só que o que ela garantia de direitos ainda não era do entendimento comum, enquanto a retórica populista dos primeiros colocados ? Collor, Lula e Brizola ? vendia sonhos que já estavam lá ?no livrinho?, sem que o eleitorado entendesse.

Estive com ele nessa campanha algumas vezes, levado por meu amigo Jorge Bastos Moreno, que o assessorava. Uma, em especial, nunca me saiu da cabeça. Na casa de Renato Archer, no Rio, Ulysses dizia que quando a máquina do PMDB começasse a trabalhar, venceria. Ficou em 7º lugar, com pouco mais de 4% dos votos, abandonado pelo partido que comandara e ao qual dera integridade e prestígio político.

A resposta veio anos depois, e serviu também agora para o impeachment de Dilma. Aos olhos de Ulysses, falando sobre Collor, a reprovação das ruas vale mais que uma eleição, pois desse plebiscito saiu o repúdio da praça pública àquele que, embora eleito, perdeu a legitimidade.

A tese foi lembrada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que pediu um gesto de grandeza, como renúncia, à presidente Dilma. Ulysses também falou da renúncia no caso Collor, em entrevista a Jô Soares, citando os casos de Getúlio e Jânio Quadros. Chegou a afirmar que a dimensão da praça pública ?é maior do que na urna?. Collor morrera civicamente, decretou Ulysses, ?morreu no respeito da nação e não acredita que morreu. É um fantasma.?

Ulysses, o grande símbolo do PMDB, seguiu abandonado politicamente até pouco antes de morrer. Era político de outra estirpe e exemplo clássico de uma de suas célebres frases: ?Acha o atual Congresso ruim? Aguarde o próximo.? Previa a deterioração da qualidade política com a tranquilidade de quem conhecia o chão em que pisava. Era pragmático até certo grau, pois não se furtou a enfrentar os cães da ditadura militar.

Mas, no caso de Tancredo, hospitalizado à véspera da posse, seu pragmatismo prevaleceu, já que quem deveria ter assumido o governo era ele, como presidente da Câmara, mas assumiu o vice-presidente José Sarney. Questionado por Pedro Simon sobre as razões que o fizeram aceitar a decisão, foi irônico: ?Se o maior jurisconsulto do país disse que era o Sarney, quem sou eu para contestar??

Referia-se ao ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, que interpretou a Constituição a favor de Sarney, que além do mais era seu amigo. Ulysses, porém, foi o presidente ?de fato? em diversas ocasiões.

Sarney, outra velha raposa, não guardou mágoas. Em conversa comigo anos depois, disse que se fosse Ulysses faria o mesmo. E fez, tornou-se o Ulysses dos governos petistas, depois de ter salvado Lula do impeachment na crise do mensalão. A ponto de Lula ter dito que ele não poderia ser tratado ?como uma pessoa comum?.

Mais difícil que matar um monstro é remover seus escombros, disse Ulysses sobre a ditadura militar, que teve nele o maior líder civil da resistência. O ?Senhor Diretas? levou o país às ruas pela volta das eleições. Foi superado por Tancredo, eleito presidente de forma indireta.