Cotidiano

Degradação da Amazônia não detectada por satélites é tão perigosa quanto desmatamento

Além de regiões completamente devastadas, a Amazônia está repleta de pequenos trechos, invisíveis aos radares e políticas públicas ambientais, onde há extração ilegal de madeira, queimadas e isolamento do resto da mata. Um estudo internacional publicado ontem, na revista ?Nature?, alerta pela primeira vez para a magnitude deste estrago e mostra que a degradação florestal no bioma é tão ameaçadora ? às vezes ainda mais ? quanto o conhecido desmatamento.

De acordo com os pesquisadores de 18 instituições, entre as quais 11 brasileiras, a perda de biodiversidade nestas regiões perturbadas é comparável à vista nas áreas desmatadas que costumam ser contempladas pelos satélites. Mesmo as localidades com maior nível de proteção assegurado pelo Código Florestal já teriam perdido entre 46% e 61% de seu valor de conservação.

O levantamento foi realizado em 400 áreas de Paragominas e Santarém, dois municípios do Pará localizados na região de fronteira agrícola da Amazônia. Nelas, os pesquisadores analisaram o impacto das perturbações florestais a 1.538 espécies de árvores, 460 de aves e 156 de besouros, usados como indicadores da qualidade do solo. AMAZONIA

? Todas as atenções costumam ser voltadas ao desmatamento. Outras formas de distúrbio à floresta eram ignoradas ? lamenta a bióloga Joice Ferreira, coautora do estudo e pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental. ? A formação de clareiras, um efeito da degradação, pode não parecer tão drástico, mas os animais não resistem à perda do habitat e a mata perde umidade e torna-se mais vulnerável às queimadas e às mudanças climáticas. Este impacto gradual não é considerado pelos programas de conservação.

Erika Berenguer, coautora do estudo e pesquisadora da Universidade de Lancaster (Reino Unido), destaca que o Pará abriga mais de 10% das espécies de aves do planeta. Muitas são encontradas apenas no estado.

? A degradação atinge principalmente as espécies raras, que circulam em uma área pequena ? explica. ? Analisamos duas cidades que foram ocupadas em épocas e por motivos diferentes, mas que acabaram sofrendo o mesmo processo de degradação e impacto à biodiversidade. É possível que este resultados sejam vistos também em várias regiões do Arco do Desmatamento, assim como em outros países onde há florestas tropicais, como o Congo e a Indonésia.

Segundo o mapeamento, a degradação florestal no Pará resultou em uma perda de espécies equivalente a que ocorreria com o desmatamento de 139 mil quilômetros quadrados.

PROGRAMAS INCOMPLETOS

A pesquisadora critica o governo federal por exaltar a redução do desmatamento sem mapear a situação de pequenas áreas no interior da floresta.

? Em 2008, a área degradada por fogo e extração de madeira foi duas vezes maior do que a área desmatada ? compara. ? Temos uma série de leis que não são postas em prática. Não importa a quantidade da floresta ainda em pé. É preciso assegurar a qualidade desta vegetação.

Hoje, 40% dos remanescentes florestais do planeta estão no Brasil. Por isso o autor principal do estudo e pesquisador da Universidade de Lancaster, Jos Barlow, acrescenta que os resultados devem servir de alerta para a comunidade global:

? O Brasil demonstrou uma liderança sem precedentes no combate ao desmatamento na última década. O mesmo nível de liderança é necessário agora para proteger a saúde das florestas restantes nos trópicos. Do contrário, décadas de esforços de conservação terão sido em vão.