Cotidiano

Decreto de Trump pode incentivar imigração ilegal

2016 895869531-201603141444391794.jpg_20160314.jpgRIO – O polêmico decreto do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que impede a entrada de cidadãos de sete países e torna mais rígidos os critérios para emissão de vistos americanos tende a estimular a imigração ilegal para aquele país.

As novas regras impedem a entrada de cidadãos do Irã, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iêmen por 90 dias e impõem uma suspensão de 120 dias para o ingresso de todos os refugiados. Para os brasileiros, a exigência de entrevistas para obtenção de vistos foi ampliada e agora pessoas entre 14 e 78 anos (antes a obrigatoriedade era para quem tem entre 16 e 65 anos) têm que passar pelo interrogatório.

Decreto Trump imigração

Antes, uma nova entrevista só era necessária quando o visto estava vencido por quatro anos ou mais. Agora, se o documento estiver com a validade vencida por um ano ou mais já é obrigatório um novo interrogatório.

Todas essas novas regras, porém, estão momentaneamente suspensas pela Justiça dos Estados Unidos.

A suspensão judicial, contudo, não impediu a aflição dos brasileiros que buscaram vistos desde a eleição de Trump.

– O pessoal fica assustado. Desde a eleição do Trump as pessoas têm mais medo de não conseguir o visto – contou Vinícius Pena, guia turístico que faz viagens semanais de Minas Gerais para o Rio com brasileiros que tentam obter o visto no consulado norte-americano.

Ele faz esse trajeto há quatro anos e disse que não consegue entender bem o critério usado para permitir e rejeitar o visto.

– Já vi médicos com renda de R$ 15 mil terem o visto negado. Mas hoje (quinta-feira) ainda uma senhora que viajou com a gente e tem três filhos morando ilegalmente lá conseguiu o visto. Eu não entendo muito bem o critério que eles usam – explicou Pena na quinta-feira.

A quantidade de brasileiros morando no exterior é uma incógnita para as autoridades, principalmente porque não há como saber quantos imigrantes sem documentação há fora do país. O Itamaraty estima que essa população seja superior a 3 milhões, quase metade vivendo nos Estados Unidos. Esse número, porém, pode ser bem maior.

Mas se o objetivo do governo norte-amaericano é conter o fluxo migratório, o decreto de Trump não será eficaz na avaliação da professora do Instuto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Carolina de Abreu Batista Claro.

– O decreto funciona como desestímulo à migração documentada. Mas não desestimula a migração. Nos Estados Unidos, quando há uma dificuldade da migração pelos meios regulares, sempre aumenta a migração não-documentada – disse.

– As pessoas não vão deixar de ir para lá, ainda mais se têm um familiar ou uma perspectiva de emprego – explicou Carolina.

E aí surge outro problema: o estímulo aos coiotes (quadrilhas que atuam na migração ilegal).

– E quanto mais dificuldades o governo americano colocar, mais caro vai ficar para migrar ilegalmente. E as pessoas não vão deixar de ir – insiste o professor da pós-graduação de Geografia da PUC Minas Duval Fernandes, que já orientou diversos trabalhos de pesquisa nesse campo da imigração.

Segundo ele, esse mercado é bastante ativo em Minas Gerais e tende a crescer caso a emissão de vistos norte-americano para brasileiros seja endurecida.

Fernandes conta que a imigração ilegal é tão desenvolvida que as quadrilhas têm até tratamentos diferenciados por preço.

– A pessoa que quer ir imediatamente e aceita correr mais riscos pode pagar US$ 10 mil adiantado – disse. Segundo ele, nesses casos quase sempre o emigrante acaba preso.

Mas há também quadrilhas que assumem o risco, só cobram quando o emigrante chega ao destino e se responsabilizam até pela devolução do corpo à família em caso de morte.

ALEGRIA E TRISTEZA

Para aqueles que viajaram na semana passada ao Rio na tentativa de obter o visto norte-americano, o retorno para Minas Gerais foi de alegria e a frustração convivendo juntas.

Normalmente, a dose de felicidade é sempre menor, segundo Pena.

– Hoje está muito bom. Acho que uns 50% dos passageiros conseguiram o visto. Normalmente, só uns 25% saem daqui com o visto – disse na quinta, pouco antes da viagem de 10 horas de retorno para Minas.

Um dos “sortudos” foi o construtor Carlos Roberto Gonçalves, 60. Ele nunca foi aos Estados Unidos e, com o visto em mãos, vai visitar a filha, que está grávida, em Massachusetts.

– Espero que dê tudo certo. Ela está há um ano lá e é casada com um americano. Dá um pouco de receio (de não conseguir o visto) por causa do Trump – disse antes da entrevista.

Gonçalves, porém, acredita que o presidente norte-americano tem “um pouco” de razão em querer proteger seu povo de ataques terroristas. O construtor brasileiro é de Governador Valadares (MG), cidade mineira que é conhecida pelo grande contingente de emigrantes morando nos EUA.

Enquanto ele esperava sua vez, uma das conterrâneas da excursão apareceu saltitante da fila:

– Consegui o visto! – comemorou Sandra, uma técnica de enfermagem que não quis dizer seu nome completo à reportagem.

– Eu só quero o visto para levar minha filha de quatro anos para a Flórida. Vamos nos parques. Viajamos em maio – disse, ainda eufórica e depois de ser sabatinada pelos colegas sobre como tinha sido a entrevista.

A euforia de Sandra não conseguiu contagiar Wilian Almeida Soares, 20, estudante de direito.

Ele queria o visto para viajar em junho com a namorada para Orlando.

– Não sei porque fui reprovado, acho que foi na entrevista – disse, chateado com o resultado. O rapaz de Inhapim, município mineiro de menos de 30 mil habitantes, quer tentar obter o visto novamente antes da viagem.

A frustração do jovem Wilian contrastava com o sorriso aberto do construtor Carlos, o último do grupo a ser entrevistado no consulado:

– Ela (a funcionária da embaixada) me disse: ‘Boa viagem, senhor Carlos, seu visto foi aprovado’ – contou com o sorriso largo no rosto.