Cotidiano

Deborah Colker estreia ?VeRo? e prepara abertura da Olimpíada

RIO — Em 1996, Deborah Colker uniu seus dois primeiros espetáculos — “Vulcão”, de 1994, e “Velox”, de 1995 — para gerar “Mix”, que se tornou o maior sucesso internacional da sua carreira. Agora, 20 anos depois, ela apresenta uma nova mixagem, “VeRo”, que estreia hoje no Teatro João Caetano. Junção de “Velox” com “Rota” (de 1997), o novo trabalho mescla “energia e poesia”, diz ela, referindo-se à vitalidade da prática esportiva contida em “Velox” e ao jogo lúdico possibilitado pela roda metálica que faz girar “Rota”. Em entrevista ao GLOBO, Deborah fala da relação entre esporte e arte e do desafio que enfrenta neste momento: a direção de movimento da cerimônia de abertura da Olimpíada, que acontece no dia 5, sob direção geral de Fernando Meirelles, Andrucha Waddington, Daniela Thomas e Rosa Magalhães.

“Velox” aproximava artes e esportes, e agora você volta a unir esses mundos em “VeRo” e na Olimpíada. Como essa relação se dá na sua vida e no seu trabalho?

Para falar de arte e esporte, volto lá pra trás, pensando na Grécia como origem do teatro e da Olimpíada, mas também olho para a minha vida. Comecei a estudar balé e piano muito cedo. Tem gente que acha que sou um talento desperdiçado no piano, mas teve uma hora em que decidi parar e quis ser atleta, jogar vôlei. O Bernardinho, inclusive, me conheceu jogando vôlei. Cheguei a ser convocada para a seleção carioca, mas aí veio a dança. Achei que fosse o meu adeus ao esporte. Mas, na real, a gente não abandona jamais. E a minha dança voltou a aproximar esses dois mundos.

Em “Velox”, a dança é realizada numa parede, misturando coreografia e escalada. Na Olimpíada, veremos essa relação em modalidades como a ginástica artística, o nado sincronizado… Buscar esse lugar em que não é possível distinguir arte e esporte ainda é algo que te interessa?

Vejo muita beleza no esporte, e vejo dança em muitas modalidades. Na ginástica artística, no atletismo… E, no meu trabalho, transformar esporte em dança e dança em esporte é algo que me estimula demais. Então, neste momento, tudo isso se conecta em “VeRo” e na cerimônia. Outro aspecto curioso é que o Nuzman (Carlos Arthur, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro) era diretor do clube em que eu jogava vôlei. Ele me conhece dessa época anterior à dança. É uma coincidência… Mas vejo o convite para a cerimônia como um reflexo do meu trabalho na dança, da junção de arte e esporte em “Velox”. É algo que já acontece dentro de mim e dentro do meu trabalho há tempos.

Depois de “Mix”, em 1996, você agora faz “VeRo” a partir de “Velox” e “Rota”. Por que juntar essas obras, e o que elas juntas transmitem?

Para mim, “Velox” é energia, e “Rota” é poesia. Então é esporte e arte, risco e delicadeza. E juntos eles geram um novo espetáculo, e uma obra muito explosiva. Lembro que o “Velox” nasceu num momento meu de reafirmar a dança como uma arte muito poderosa, capaz de trazer o mundo pra dentro dela. Então a gente trouxe o esporte em “Velox” e o cotidiano das ruas para “Rota”. Era uma época em que eu queria investigar a relação entre movimento e espaço, com um trabalho que se dava numa parede vertical (“Velox”) e outro numa roda (“Rota”). O bacana é que hoje, 20 anos depois, olho para essa pesquisa e sinto que ainda está viva em mim essa tentativa de deslocar o espectador, as perspectivas, de subverter certas normas. Porque desde essa época eu sinto que na dança, na cena, cabe o mundo. Na dança não existe “isso você não pode fazer”. E olha que já ouvi muito, hein, mas tá pra nascer alguém pra dizer o que eu posso e não posso. Todo mundo pode. Você pode dizer que não curte isso ou aquilo, mas vir com lei, não. Isso é que não cabe.

Mas quando surgiu, em você, essa vontade de juntar diferentes artes e linguagens?

Antes da Companhia (Deborah Colker), eu vinha do contato com a Graciela Figueroa do Grupo Coringa, com gente de dança, música, teatro… Eram os anos 1980, e tinha aquela vontade de fazer, de misturar, e aí quando montei a companhia (em 1994) eu queria gente de balé, de dança contemporânea e de rua, numa época em que a dança de rua não era reconhecida como hoje. Eu queria juntar as danças, a dança com outras artes, com outras pessoas, trazer coisas da vida, das ruas. Então vinha ator, modelo, dançarino… Acho que pra ser artista você não pode ter medo de juntar. Não pode ter medo da beleza nem da feiura, da estranheza nem da mistura. Você faz escolhas, respeita as características de cada um, e isso que é legal.

E, após misturar danças e artes, “Velox” era um passo adiante, para outro campo?

Era uma tentativa de me reaproximar do esporte. Eu vinha questionando o que era dança e me perguntando o que me interessava no esporte. Então mais do que o esporte entendi que a minha atração era pelo jogo! Acho incrível como todo mundo para diante da TV pra ver uma partida. Que dinâmica é essa? Eu vinha do teatro, e me dei conta: teatro é jogo. É diálogo, pergunta e resposta, ator e plateia, é jogo o tempo inteiro. E o teatro vem de onde? Da Grécia, e o esporte também. Então voltei lá para trás, para o começo, e pensei “por que não fazer um diálogo entre dança e esporte?”. E foi incrível, porque um outro mundo e um outro público se abriram. Era um espetáculo de dança que se comunicava com um público mais abrangente.

Essa necessidade de se comunicar com um público amplo, para além do espectador de dança, é um desafio que uma cerimônia olímpica também requer. Qual é a diferença entre criar para o teatro e para um estádio?

Numa cerimônia é preciso pensar para a TV e para o teatro. Como venho do teatro, não tenho como deixar de pensar que existe uma plateia ali, no Maracanã. Então é preciso cuidar dos dois planos, e em se comunicar com o público. O que acontece a meu favor é que, num evento como esse, essa comunicação se dá, sobretudo, através do movimento, do gesto, do corpo. Então são a dança e o movimento que vão comunicar o que a gente é, como é o nosso povo, a nossa galera… O povo da praia, do Centro, do subúrbio, o nosso ritmo, o nosso jeito, a galera que dança e joga bola. Acho que o Rio tem a ver com essa mistura.

É a mistura o conceito que vai reger a cerimônia?

O Rio é essa cidade partida e misturada, que vive entre o morro e o asfalto, então vamos mostrar as forças e os contrastes que constituem essa cidade que é de todos nós, de todos os povos. Pensar nisso, neste momento, me anima especialmente porque o meu próximo trabalho também investiga o que é o brasileiro, o país. Ele parte de um poema do João Cabral (de Melo Neto), “O cão sem plumas”.

Como se dá a relação entre o poema e essa busca de representar o brasileiro?

É que nesse poema o João olha para o homem, o homem-bicho, o homem-terra, para o lugar de onde a gente vem, da lama, da terra… Ele faz a gente pensar nessa relação do homem com aquilo que constitui a vida… Não tem separação entre homem e terra, bicho, natureza. João mostra o ribeirinho, que é o pobre, o massacrado, o rejeitado, mas que é o cara, a grande força de resistência. É quem olha para o rio, que se nutre do rio. Com João você se dá conta da força de Pernambuco e do brasileiro, e é por isso que se conecta à cerimônia, que tem de revelar o que é a gente, o que é o país.

Serviço — “VeRo”

Onde: Teatro João Caetano — Praça Tiradentes, s/nº (2332-9257).

Quando: Estreia hoje, às 21h. De qui. a sáb., às 21h, e dom., às 18h. Até 4 de setembro.

Quanto: R$ 25 a R$ 40.

Classificação: Livre