Cotidiano

Debate de reformas na França antecipa o cenário para o Brasil

2016 912231711-201605270558145489_AFP.jpg_20160527.jpgRIO e ISE-SHIMA (Japão) – Conhecida por ter as leis trabalhistas mais protetivas do mundo e pela resistência em promover reformas, a França de François Hollande dá os primeiros sinais de enfrentamento de velhos modelos ao tentar flexibilizar o mercado de trabalho para combater uma trilogia de problemas: baixo crescimento, desemprego alto e perda de competitividade. A exemplo do que já foi feito por Alemanha, Reino Unido, Espanha e Itália, quer flexibilizar direitos trabalhistas. Ontem, Hollande prometeu, na reunião do G7, no Japão, levar adiante a reforma, apesar das greves e manifestações:

? Acredito que é uma boa reforma e devemos continuar até sua adoção.

Na avaliação do economista especialista em mercado de trabalho Manuel Thedim, do Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade (Iets), o desafio enfrentado por Hollande antecipa o cenário que se desenha no Brasil, onde o presidente interino, Michel Temer, pretende flexibilizar regras sobre férias, décimo terceiro salário e também estabelecer idade mínima para a aposentadoria:

? No Brasil, essas duas reformas também são essenciais, pois temos dois problemas semelhantes: desemprego e déficit da Previdência. Acredito que vai ter reação muito forte dos sindicatos apoiados pelo PT. Mas, diferentemente da França, são menos organizados, e Temer parece ter apoio do Congresso para aprovação.

Um dos principais pontos da proposta francesa é alterar a jornada de 35 horas de trabalho semanais. O limite seria mantido, podendo ser estendido para 48 horas e chegar a 60 horas em ?casos excepcionais?. Também passa a permitir demissões em empresas onde as receitas caírem, reduz o adicional por horas extras e permite que o excedente de 35 horas semanais possa ser compensado por folgas. Com desemprego em 10% e com a promessa de Hollande de só se candidatar à reeleição em 2017 se reduzir o índice, aprovar as reformas virou estratégia política.

Ao tentar mudar direitos enraizados na cultura operária francesa, Hollande enfureceu membros de seu próprio Partido Socialista e sindicatos, que têm força e organização para arrastar a discussão por muito tempo ainda. A economista Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for Internacional Economics, nos EUA, pondera que, quando um país precisa de reformas, é comum encontrar resistência da sociedade. Alerta, porém, para o custo de adiar mudanças.

? No Brasil não é mais possível ignorar as reformas necessárias. Elas estão em todas as áreas da economia. Quanto maior a demora em realizá-las, maiores os cortes a serem feitos ? diz Monica.

A Alemanha, que fez ajustes severos na década passada e é hoje a principal potência europeia, com economia em expansão e baixos índices de desemprego, diz Monica, é exemplo de como ajustes, ainda que duros, surtem efeito:

? A Alemanha, após a reunificação, passou dez anos fazendo reformas. Controlou salários, reformulou a política industrial, reorganizou a economia. Quem mais cresce na Europa agora?

Esta semana, o FMI divulgou que a França deve crescer apenas 1,75% ao ano nos próximos cinco anos. Ressaltou que o ritmo não será suficiente para criar empregos e reduzir a dívida. ?A economia francesa está se recuperando, mas maiores esforços ainda são necessários para promover a criação de empregos e colocar as finanças públicas em uma trajetória mais sustentável?, disse o Fundo.

A situação das contas públicas pressiona pela aprovação de reformas. A Espanha e principalmente a Grécia acumularam enormes déficits fiscais, provocados pela crise global de 2008. A União Europeia exigiu fortes ajustes fiscais. No caso grego, houve o aval do FMI. A aprovação do pacote garantiu a liberação de socorro financeiro.

Para Thedim, a reforma é mais do que necessária, já que a França perdeu competitividade nos últimos anos para países como a Alemanha. No último Relatório Global de Competitividade do Fórum Econômico Mundial, a França nem aparecia no ranking dos dez mais competitivos, ficou em 22° lugar, enquanto a Alemanha ocupava a quarta posição. Os números corroboram a tese de especialistas que relacionam flexibilidade a mais emprego. A taxa de desemprego alemã é de 4,3%, contra mais de 10% na França. É o dobro do desemprego na Inglaterra (5,5%), que também tem leis mais flexíveis.

Alain Jupeé, provável candidato de centro-direita à presidência, tem afirmado que o ajuste precisa ser mais duro, com corte de gastos e de funcionários públicos e aumento da idade mínima de aposentadoria de 62 para 65 anos. Quase todos os países europeus fizeram reformas para elevar a idade mínima para 65, 66 anos. A França é exceção. Istvan Kasznar, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV) diz que a mudança é urgente:

? A França vive, desde o fim dos anos 70, um envelhecimento populacional, e a sua capacidade de criar receitas para essa previdência se limitou.

Para o economista Paulo Tafner, ao adiar a correção do déficit, cria-se um problema futuro:

? É uma irresponsabilidade, pois o jovem de hoje vai pagar a conta. Quando ele for se aposentar, corre o risco de encontrar um país sem recursos.