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De volta à Lagoa: Isaquias e Erlon buscam final feliz em longa metragem olímpico

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O ano é 2008. Após uma surpreendente medalha de prata no Pan de 2007, no Rio, a dupla Vilson Nascimento e Wladimir Moreno, da C2 1000m, se desfaz por questões particulares. Pedro Sena, então treinador da seleção brasileira de canoagem, precisa buscar alternativas e, para isso, assiste atentamente aos Campeonatos Brasileiros de base daquele ano. Identifica dois atletas franzinos e promissores: Isaquias Queiroz, então com 14 anos, e Erlon Souza, à época com 17. Logo cria afinidade com os meninos, reforçada pelo laço geográfico: Pedro é de Aurelino Leal, cidade do sul da Bahia grudada em Ubaitaba, a terra natal de Isaquias, e apenas 50 minutos distante de Ubatã, onde nasceu Erlon.

Isaquias e Erlon, oito anos mais experientes e agora com um título mundial no currículo, buscarão neste sábado, às 9h22m, a primeira medalha de ouro da canoagem brasileira em uma Olimpíada, na final da canoa dupla 1000m. O sucesso atual passa por um processo cuidadoso desenvolvido durante dois ciclos olímpicos, com apostas do Comitê Olímpico do Brasil (COB) e da Confederação Brasileira de Canoagem (CBCa) ? investimento que já rendeu prata e bronze com Isaquias nesta Olimpíada, e agora pode ser pago em ouro.

? Eles surgiram praticamente juntos mas cada um tinha sua idade e, por isso, seguiram caminhos diferentes. O Erlon se juntou com o Ronilson (Oliveira), que também é um talento, passaram a disputar campeonatos mundiais e levaram o C2 1000m do Brasil pela primeira vez a uma Olimpíada, em Londres. ? lembra Sena. ? No Isaquias eu já via um talento fora de série. Quando ele ainda era atleta júnior, eu pedi à confederação que me deixasse levá-lo aos campeonatos adultos. Ele não tinha obrigação nenhuma de ganhar, era só pela experiência. Eu apontava para ele os melhores atletas, e ele respondia: “Vou ganhar desse cara”. E muitas vezes ganhava mesmo.

Sena, atualmente treinador da equipe japonesa de canoagem, define sua relação com Isaquias e Erlon como “um carinho de pai para filho”, o que passa por entender as características particulares de cada um. O extrovertido e explosivo Isaquias começou a despontar em provas individuais curtas: C1 200m, pela qual foi campeão mundial júnior em 2011, e C1 500m, em que o prodígio de Ubaitaba foi bicampeão mundial adulto (2013 e 2014).

MENINO DE OURO

Erlon, por outro lado, sempre apareceu mais em provas de duplas, tanto de 200m, 500m e até de 1000m. Religioso e de perfil introvertido, o baiano de Ubatã jamais se importou em se adaptar às necessidades do coletivo ? o que incluiu trocar a parceria de anos com Ronilson Oliveira para formar a dupla com seu velho conhecido de Ubaitaba, no meio deste ciclo olímpico. Isaquias, que fica na parte de trás do barco, costuma dar trancos tão fortes na largada, tamanha sua explosão, que o pescoço de Erlon chega a doer com o movimento ? nada que prejudique treinos e competições. Em sua primeira grande competição juntos, Isaquias e Erlon foram campeões mundiais em 2015, em Milão.

? Chamo o Erlon carinhosamente de “menino de ouro”. Ele não é um cara colérico como o Isaquias, é o oposto disso. Mas dentro da água o Erlon se transforma ? observa Sena.

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? Quero que o Erlon ganhe a medalha dele e também consiga entrar para a história do Brasil em Jogos Olímpicos ? disse Isaquias na quinta-feira. ? Ele merece muito. É um cara muito humilde e batalhador.

Os caminhos de Isaquias e Erlon se juntariam definitivamente em 2010, quando seguiram a trilha de Nivalter Jesus, principal estrela da canoagem brasileira à época. Campeão mundial da C1 200m naquele ano, Nivalter foi convidado a treinar pelo Flamengo, na Lagoa Rodrigo de Freitas, como preparação para a Olimpíada de 2016 ? o Rio de Janeiro fora anunciado como sede no ano anterior. Além do sergipano Nivalter e de Wladimir Moreno, o COB decidiu bancar a vinda de outras três promessas da canoagem: Ronilson Oliveira, Erlon Souza e um ainda adolescente Isaquias Queiroz, de 16 anos.

ORIGEM NA LAGOA

Todos viveram juntos, por três anos, em um apartamento na avenida Ataulfo de Paiva, no Leblon. Marcelo Freitas, à época gerente de remo do Flamengo, lembra que o COB bancava praticamente tudo, incluindo equipamentos para os treinos dos atletas. O clube cedia o espaço perto do Estádio da Lagoa, o mesmo que recebe a final de hoje, como base para os canoístas, e passou a dar uma ajuda de custo em 2011.

? O destaque à época era o Nivalter, mas os meninos rapidamente se destacaram também. Eles só competiram duas vezes pelo Flamengo, em campeonatos Brasileiros. A gente só tinha equipe masculina de canoa, e mesmo assim o Flamengo quase foi campeão geral, de tantos pontos que esse time fez. Eles ganhavam de todo mundo ? lembra Freitas.

? Essa vinda para o Flamengo ajudou muito no crescimento deles dois ? emenda Sena. ? O fato de morar com outros atletas, ter boa alimentação, o conhecimento das condições da Lagoa Rodrigo de Freitas, tudo isso foi muito importante. Isso para não falar da sensação de acolhimento, de saberem que alguém estava olhando por eles. Isaquias foi campeão mundial júnior (em 2011) nessa época.

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O próprio Isaquias, após a conquista de sua segunda medalha na Olimpíada do Rio ? bronze na C1 200m, somando-se à prata na C1 1000m ?, fez questão de enaltecer a importância da equipe brasileira de canoagem, aquela formada ainda em 2010. Além de Isaquias e Erlon, Nivalter e Ronilson seguem integrando a seleção que se mudou para Lagoa Santa (MG) em 2013, após a chegada do técnico espanhol Jesus Morlán, que buscou um local com menos distrações que o Rio.

? Não consegui as medalhas sozinho. O Nivalter me ajudou bastante a ganhar velocidade, o Ronilson teve um papel muito importante evoluindo a nossa equipe de duplas. O Erlon tem sido uma parte fundamental para mim, me dá ânimo assistir ele remando na frente do C2 1000m ? listou Isaquias.

ESTREIA NOS HOLOFOTES

O tímido Erlon Souza ainda reage com estranheza à avalanche de jornalistas e câmeras à frente. Isaquias Queiroz, mais acostumado ao assédio da imprensa e dos fãs após conquistar duas medalhas nesta Olimpíada, precisa puxar para perto o companheiro da canoa dupla durante uma entrevista, já que o instinto inicial de Erlon é ficar longe dos microfones.

Erlon chegou ao Rio na sexta passada, mas só ontem competiu pela primeira vez na Lagoa ? ele e Isaquias venceram com facilidade a primeira bateria da C2 1000m e avançaram direto para a final, que acontece na manhã deste sábado. Até então, o canoísta de 25 anos limitava-se a observar o furor em torno do colega.

? A gente vê o tanto de pessoa cercando o Isaquias para tirar foto, ele querendo sair e a galera não deixa. No começo está sendo divertido ? afirmou Erlon, que sorri ao imaginar a torcida por ele em Ubatã, sua cidade natal:

? Minha inspiração é saber que agradamos os brasileiros.

O alemão Sebastian Brendel, que derrotou Isaquias na C1 1000m, terça, também avançou direto à final deste sábado por vencer sua bateria, ao lado de Jan Vandrey. Alemanha e Brasil estarão lado a lado na decisão da C2 1000m, nas raias 4 e 5, respectivamente.