Cotidiano

De acordo com a lei, grafiteiros podem processar João Doria por desenhos apagados

RIO ? Segundo o artigo 24 da lei 9610 de 1998, são direitos do autor de uma obra de arte, entre outros: ?assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra?. De acordo com a lei, portanto, os grafiteiros que tiveram seus desenhos apagados do gigante mural da Avenida 23 de Maio, em São Paulo, podem mover uma ação coletiva contra João Doria, prefeito da cidade.

? Pode-se entender que eles têm direito a uma indenização por seus direitos morais terem sido violados. Alguns desses grafites foram encomendados pela própria prefeitura (durante a gestão anterior). Então, se foi encomendado, deve existir, eu desconheço, contrato com a própria prefeitura ? explica Alexandra Godoy, professora de direito de propriedade intelectual da Mackenzie Rio, em debate sobre arte urbana realizado na universidade, na quarta-feira, 15.

Pela lei de propriedade intelectual, autores possuem, em geral, direitos híbridos: de propriedade e garantia moral sobre a criação. No caso de obras localizadas em lugares públicos, o direito de propriedade é inexistente. No entanto, os direitos morais são inalienáveis e irrenunciáveis. Em qualquer tipo de manifestação artística, o autor tem propriedade moral sobre a sua obra.

Especialista em direito das artes, Gustavo Martins de Almeida afirma que o grafite é caracterizado como manifestação artística e deve ser preservado como obra de arte quando estiver em um local em que tenha sido permitida a sua aplicação. No entanto, este não é um direito absoluto e é passível de mudanças, pois ?o ambiente urbano é naturalmente mutável?. Ele afirma que a melhor forma de proteger a integridade do grafite seria um contrato:

? É o instrumento mais seguro para definir obrigações de ambas as partes. Assim, o grafiteiro pode ter proteção contra plágio e uso indevido. Até em caso de demolição da parede, ele poderia definir em que condições isso se daria.

O advogado dá o exemplo do enorme painel de Eduardo Kobra, na zona portuária da cidade do Rio. Caso, daqui uns anos, o imóvel em que o grafite está seja comprado, ou tenha alguma mudança de interesse, aquele muro pode ser tombado para garantir que não se modifique a fachada, assim como acontece com prédios considerados parte do patrimônio histórico.

Na terça-feira, aliás, a Justiça de São Paulo proibiu que Doria apague grafites sem consultar o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental de São Paulo (Conpresp). Na liminar, o juiz afirma que o grafite é uma ?manifestação cultural?.

O atual prefeito do Rio, Marcelo Crivella, já declarou ao GLOBO, que pretende respeitar o grafite como manifestação artística, contanto que não seja avaliado como pichação. Afinal, pela lei brasileira, pichação é crime ambiental e vandalismo. O conceito de pichação, no entanto, é abstrato e passível de interpretação. Grafite é manifestação artística e não necessariamente precisa ser consentido para ser considerado como tal.

? O grafite tem algo de estético, de desenho. A pichação é somente um símbolo, que tem um ânimo de dano, de uma marca que não é complementar, subversiva ? explica Gustavo Martins de Almeida. ? Realmente não há parâmetros estáveis para diferenciar pichação de grafite. O conceito comum, corrente hoje em dia, entretanto, permite que se consiga identificar visualmente.

Galeria: os expoentes do grafite do Rio e de São Paulo

*Estagiária, sob supervisão de Liv Brandão