Cotidiano

Crítica: na segunda temporada de 'Narcos', Escobar continua ambíguo

RIO – A chapa vai esquentar em Medellín, promete o primeiro capítulo da segunda temporada de “Narcos”, a série da Netflix que dramatiza, em ritmo de thriller policial, a ascensão e queda do traficante colombiano Pablo Escobar (1949-1993). O cerco ao criminoso, que construiu uma rede de tráfico de drogas com ramificações por todas as Américas (e até fora delas) nos anos 1980, começa a se fechar. O destino do protagonista é público e notório, mas ainda impressiona a forma como o programa consegue manter o espectador ligado nos passos de mocinhos e bandidos que nos ensinou a amar.

O uso de imagens e fotos de arquivo do sangrento reinado de Escobar continuam a nos lembrar que nem tudo é ficção na história do homem que matou centenas de inocentes e explodiu aviões e edifícios para manter o seu império. O chefe do cartel de Medellín consegue escapar ileso à retomada do presídio La Catedral, onde havia montado uma estrutura de regalias, e prepara-se para se vingar de colaboradores — no crime e nas esferas públicas — que possam ser uma ameaça à sua liberdade. Elimina concorrentes e traidores a sangue frio, mas promete à mulher não se afastar mais da família.

É o caráter ambíguo do protagonista – traficante diante da lei, figura robinhoodianesca aos olhos do público, pai de família amoroso — que faz de “Narcos” um herdeiro direto dos seriados que celebram antiheróis, como Tony Soprano, de “Família Soprano”, ou Walter White, de “Breaking bad”. Grande parte dessa empatia pelo personagem deve ser creditada à equipe de roteiristas e, principalmente, à performance de Wagner Moura. O formidável ator está por trás do bigode de Escobar, capaz de meter uma bala na testa de um desafeto com a mesma naturalidade com que afaga a cabeça do filho ou se entrega aos carinhos da mulher, como há muito não se via.

As coisas também não andam muito boas para os lados das forças do “bem”. Connie (Joanna Christie) não aguenta a pressão em Medellín e volta para os Estados Unidos, deixando o marido, Steve (Boyd Holbrook), o agente americano que narra a caça a Escobar, sem o apoio emocional para enfrentar a tarefa. No auge da crise conjugal, ele tem seu momento de Capitão Nascimento, ao espancar um executivo americano flagrado cheirando cocaína no banheiro do aeroporto, justificando com a estatística que seis pessoas morreram para garantir aquele prazer. O ponto de vista da série é americano, mas seu alcance não tem barreiras.