Cotidiano

Corte de juros ajuda retomada, mas reforma fiscal é risco

RIO – Depois de surpreender o mercado com um corte de 0,75 ponto percentual da taxa de juros, o Banco Central deve repetir a dose nas próximas reuniões, o que pode ajudar a reduzir o custo de financiamento no país e contribuir para uma retomada da atividade econômica. A avaliação é de analistas consultados pelo GLOBO, que veem no entanto, riscos nos próximos meses, como as incertezas sobre as reformas fiscais e possíveis turbulênicas no cenário externo, com o início do governo de Donald Trump nos EUA.

A economista do Santander Tatiana Pinheiro está no grupo de surpreendidos pela decisão de ontem. Esperava redução de 0,5 ponto. Agora, acredita que a intensidade será mantida por pelo menos mais três reuniões. Se essa avaliação for percebida pelo restante do mercado nos próximos dias, já será possível ver um rápido efeito nos juros futuros que, por sua vez, influenciarão na queda das taxas para empresas e consumidores.

? Se o mercado, que esperava até hoje taxa de 10,25% ao ano, migrar e fechar o dia com uma expectativa de Selic a 9%, isso já é positivo. Já será marginalmente positivo para a atividade econômica. O importante da decisão de hoje é o impacto que ela tem nas expectativas de taxas de juros mais a médio prazo ? afirma Tatiana.

Nas contas da analista, o PIB brasileiro deve crescer 0,7% neste ano ? projeção mais otimista que e mediana do mercado, que vê alta de 0,5%. O Santander também já esperava taxa de juros em um dígito ? 9,75% ao ano ? antes da decisão de ontem. As estimativas foram mantidas.

Eduardo Velho, economista-chefe do INVX Global Partners, também vê efeito da queda de taxa de juros sobre o PIB e espera uma retomada já no segundo trimestre.

? Na medida em que antecipa a queda de juros, obviamente tem impacto. Claramente tende a aumentar a probabilidade de ter um PIB positivo já no segundo trimestre. Vamos ter uma alta do desemprego ainda forte até março, mas quando o mercado de trabalho começar a estabilizar o a economia pode começar a se recuperar ? afirma Velho.

REFORMA FISCAL AINDA EM ANDAMENTO

Mas há obstáculos no caminho, destaca Hugo Monteiro, gerente de produtos e soluções de investimentos da BullMark. O economista lembra que um dos pontos citados pelo BC no comunicado sobre a decisão ? o avanço das reformas na área fiscal ? ainda é incerto. Para ele, se o Copom seguir com cortes agressivos daqui para frente, o resultado pode ser ?novamente aquilo que colhemos no passado, a junção de inflação alta e crescimento insustentável?. Segundo ele, apesar da recessão e de a inflação ter fechado 2016 dentro da meta, não está garantida uma tranquilidade dos preços daqui para frente:

? O comunicado citou os ajustes que têm sido feitos. Mas temos um quadro de instabilidade política muito grande. Veja o que aconteceu com relação à renegociação das dívidas dos estados, quando a Câmara derrubou as contrapartidas exigidas pelo Executivo. Outro fator é a Lava-Jato, cujos desdobramentos podem interferir na aprovação dessas reformas.

Ele considera ainda que o BC cedeu a pressões, priorizando a atividade econômica ao controle da inflação.

? A principal função do BC é proteger o poder de compra da moeda. Temos que esperar a ata para termos mais detalhes, mas a decisão de hoje indica que o BC está olhando para o crescimento, enquanto que seu mandato diz respeito à inflação. Eu acho que o BC pode ter cedido à pressão e tomado uma decisão mais política do que econômica ? criticou. ? A gente vem de um período de alta inflação e baixa credibilidade do BC, e essa postura de agora pode comprometer a condução da economia.

Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset, acredita que o BC foi ousado e também acha que a autoridade monetária poderia ter esperado resultados mais concretos com relação à reforma fiscal.

? Mas, dada a situação atual da inflação e de outros indicadores de atividade, por que não? Foi uma surpresa boa. Mostrou comprometimento da autoridade monetária no reativamento da economia e cuja decisão vai ajudar também no lado fiscal, pois reduz o custo do carregamento da dívida ? disse Vieira, que esperava corte de 0,5 ponto percentual.

O economista está cético, porém, quanto ao efeito positivo da redução dos juros ontem na economia. Para ele, a reativação da economia depende de fatores que vão além da taxa de juros.

? Não dá para confiar piamente de que a política monetária vai salvar a lavoura. Pode ajudar em alguma coisa, mas o cenário de crescimento ainda é tenebroso. A atividade está bastante rastejante, e o desemprego vai subir até a metade do ano ou mais. Isso tem impacto negativo no consumo e no investimento. Não me parece que a retomada tem condições de acontecer este ano, e ainda temos o desafio da reforma fiscal no Congresso ? avaliou.

O economista acredita que o Copom voltará a cortar a Selic em 0,75 p.p. na reunião de 22 de fevereiro. Rodrigo Alves de Melo, economista-chefe, da Icatu Vanguarda, prevê reduções nesse mesmo ritmo nas próximas três reuniões. Após a decisão de ontem, a Icatu Vanguarda reduziu de 10% para 9,5% a projeção da Selic para o fim de 2017.

? O corte de 0,75 p.p. fez sentido. Desde o último Relatório de Inflação, publicada em dezembro, houve uma evolução favorável no cenário. O câmbio foi para R$ 3,20 e a inflação veio menor do que projetavam. O BC esperava, por exemplo, que a inflação de dezembro fosse de 0,48%, mas foi de 0,3%. Eles trabalhavam também com um PIB subindo 0,8% em 2017, mas os últimos números de atividade desapontaram. Logo, isso abriu espaço para maior afrouxamento nos juros ? analisou Melo.

EFEITO TRUMP NO RADAR

Já Fábio Silveira, sócio-diretor da MacroSector, vê riscos associados ao governo Trump nos EUA.

? Os riscos são de ter uma turbulência no mercado internacional, haver realocação de ativos em escala global e a gente está no meio desse jogo. O Brasil é uma bolinha de gude num universo financeiro gigantesco. Muita atenção deve ser dada ao ambiente externo, porque a chegada do Trump ao governo pode levar a uma escalada da taxa de câmbio ? afirma Silveira.

Ele vê ainda outras pressões sobre juros, como a alta de preços do petróleo:

? Isso pode levar a novas altas de juros no mercado americano. E aí vamos ter nos EUA dois fatores de alta de juros: o risco Trump e a inflação propriamente dita, advinda da alta de preço do petróleo.

RISCO PAÍS EM QUEDA

A decisão do Copom já repercutia no mercado financeiro na noite desta quarta-feira. O ETF (Exchange Traded Funds) iShares MSCI Brazil, índice com ações brasileiras negociado na Bolsa de Nova York, passou o pregão em queda mas disparou após o anúncio. No fim do dia, fechou com alta de 2,21%. O risco-país associado ao Brasil caiu. O Credit Default Swap (CDS, espécie de seguro contra calote da dívida) operava nos 261 pontos na hora do anúncio do Copom e caiu imediatamente para 255 pontos. Quanto menor o número, menor o prêmio de risco para se investir no país.