Cotidiano

?Coração? de Plutão provavelmente esconde um oceano

RIO ? Quando a sonda New Horizons, da Nasa, sobrevoou Plutão no ano passado, chamou a atenção de cientistas e do público uma formação na sua superfície com a aparência de um enorme coração. Agora, uma série de simulações com base em dados da New Horizons indica que o ?coração? de Plutão esconde um vasto oceano de água em estado líquido sob sua crosta gelada. Segundo os pesquisadores, a camada de água líquida pode passar de 100 quilômetros de espessura, como uma salinidade tão alta que é similar à do Mar Morto.

– Os modelos termais do interior de Plutão e as evidências tectônicas vistas em sua superfície sugerem que um oceano pode existir, mas não é fácil inferir seu tamanho ou qualquer outra coisa sobre ele ? destaca o geólogo Brandon Johnson, professor da Universidade Brown, nos EUA, e líder do estudo, publicado no periódico ?Geophysical Research Letters?. – Mas conseguimos colocar alguns limites em sua espessura e obter algumas pistas sobre sua composição.

Na pesquisa, os cientistas se forcaram na chamada Sputnik Planum, uma bacia de cerca de 900 quilômetros de diâmetro que forma o lobo Oeste do ?coração? revelado pela New Horizons. Esta bacia teria sido criada pelo impacto de um objeto com pelo menos 200 quilômetros de diâmetro milhões ou mesmo bilhões de anos atrás. Acontece que a Sputnik Planum está exatamente sobre o eixo em que Plutão e sua relativamente grande lua Caronte estão em uma situação astronômica conhecida como trava de maré, isto é, com o mesmo lado voltado um para a outra enquanto giram, como a Terra e nossa Lua.

Ainda de acordo com os pesquisadores, esta posição da Sputnik Planum indica que a bacia tem o que se chama de anomalia positiva de massa, ou seja, tem mais massa do que a média da crosta gelada de Plutão. Desta forma, à medida que a gravidade de Caronte ?puxa? Plutão, o puxão será proporcionalmente mais forte nas áreas de maior massa do hoje classificado como planeta-anão, o que faria com que ele gradativamente inclinasse seu eixo de rotação até que a Sputnik Planum ficasse alinhada com o eixo da trava de maré. O problema é que uma anomalia positiva de massa faria da bacia uma cratera muito incomum.

– Crateras de impacto são basicamente buracos no chão ? lembra Johnson. – Você está pegando um monte de material e explodindo-o para longe, então normalmente se espera que ela tenha uma anomalia negativa de massa. Mas não é isso que vemos na Sputnik Planum e isso levou as pessoas a pensarem sobre o quê pode estar por trás desta anomalia positiva de massa.

Parte da resposta a esta questão está no fato de que, depois que se formou, a bacia foi parcialmente preenchida com gelo de nitrogênio. Esta camada de material adicionaria alguma massa à cratera, mas não é grossa o suficiente para fazer com que a Sputnik Planum tivesse uma anomalia positiva, aponta Johnson. Segundo ele, o resto da massa necessária poderia vir justamente de uma grande quantidade de líquido escondida sob a superfície.

O geólogo explica que como uma bola de boliche jogada em uma cama elástica, grandes impactos criam uma mossa na superfície de um planeta e são seguidos por uma espécie de ricochete que puxa material para cima a partir do interior do planeta. E se este material que sobe for mais denso do que o espalhado pelo choque, a cratera acaba com a mesma ou até mais massa do que a região tinha antes do impacto, em um fenômeno conhecido como compensação isostática.

Acontece que a água em estado líquido é mais densa que o gelo (por isso pedras de gelo flutuam em um copo d’água). Assim, se houver uma camada de água líquida sob a crosta gelada de Plutão, ela pode muito bem ter sido ?puxada? pelo choque que criou a Sputnik Planum, ?zerando? a perda de massa do impacto. E, nesta condição inicial neutra, a camada de gelo de nitrogênio depositada na cratera seria então suficiente para que ela tenha uma anomalia positiva de massa.

– E este cenário requer um oceano líquido ? conta Johnson. – Executamos modelos de computador do impacto para ver se isso é algo que de fato aconteceria. Descobrimos que a criação de uma anomalia positiva de massa é muito sensível à espessura deste oceano, assim como à sua salinidade, já que a proporção de sal afeta a densidade da água.

Os modelos de computador simularam o impacto de um objeto grande o bastante para criar uma formação do tamanho da Sputnik Planum atingindo Plutão a velocidades esperadas para corpos nesta região distante do Sistema Solar. As simulações incluíram várias espessuras para a camada de água sob a crosta, desde nenhuma água até um oceano com 200 quilômetros de espessura. E o cenário que melhor reconstruiu o tamanho e profundidade da bacia, e também produziu uma cratera com uma anomalia positiva de massa, é o que indica que Plutão tem um oceano sob a superfície de mais de 100 quilômetros, com uma salinidade por volta de 30%.

– O que isso nos diz é que se a Sputnik Planum de fato é uma anomalia positiva de massa, como ela parece ser, esta camada oceânica de ao menos 100 quilômetros tem que estar lá ? afirma Johnson, que pretende continuar a analisar os dados enviados pela New Horizons para ter uma ideia mais clara de como seria este possível oceano de Plutão. – É incrível para mim pensar que um corpo tão longe no Sistema Solar talvez ainda tenha água líquida.