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Copa Africana começa em país em turbulência política e com estrelas do futebol europeu

Não será no mesmo clima de euforia e união em apoio ao time que o Gabão
voltará a organizar uma Copa Africana de Nações. Cinco anos depois da grande
festa que ajudou a empurrar o time da casa até as quartas de final, o país abre
neste sábado a 31ª edição do torneio com problemas dentro e fora de campo. O
jogo contra a estreante Guiné-Bissau será às 14h (de Brasília), no estádio
L’Amitié, em Libreville.

ÁFRICA 13-01

O Gabão da estrela Aubameyang estreia na competição com um técnico que tem
pouco mais de um mês de trabalho. O espanhol José Antônio Camacho, ex-treinador
de Real Madrid e Benfica, assumiu o comando do time no lugar do demitido Jorge
Costa, mas já foi ameaçado de demissão depois que reclamou da formação de sua
comissão técnica. A princípio, porém, o contrato é de dois anos e com dois
objetivos: tentar fazer a seleção conquistar o seu primeiro título africano e
classificá-la para a Copa do Mundo de 2018. O vencedor da Copa Africana, aliás,
terá a sua primeira experiência nos gramados russos na Copa das Confederações de
junho.

– Fiz a escolha certa em escolher a África (ao invés da França) e mal posso
imaginar como será se vencermos a Copa Africana em casa – disse o artilheiro do
Borussia Dortmund, nascido em Laval, e que chegou a defender a seleção francesa
sub-21 antes de decidir jogar pela equipe que seu pai, Pierre Aubameyang, foi
capitão na Copa Africana de 1994.

Mas é fora do campo que o Gabão vive seu momento mais turbulento. Depois da
controversa reeleição do presidente Ali Bongo em agosto do ano passado, o país
mergulhou em violentos protestos e confrontos com a polícia que chegou a causar
a morte de três pessoas, segundo o governo. Mas a oposição diz que mais de 50
pessoas teriam morrido.

Tudo começou depois que Bongo, que comanda o país desde 2009, foi reeleito
com uma diferença de apenas 5.594 votos. A oposição comandada por Jean Ping
alegou que houve fraude e corrupção na eleição e não aceitou o resultado. Os
protestos começaram e levaram o governo a prender centenas de manifestantes,
vetar o acesso às redes sociais e suspender o visto de jornalistas estrangeiros.
Diante dos problemas, a Confederação Africana de Futebol (CAF, na sigla em
inglês) cogitou mudar a sede do torneio para o Marrocos, que receberia a
competição em 2015, mas desistiu por conta do medo do ebola.

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No fim, a sede foi mantida e o clima parece controlado, embora haja o temor
de que Port-Gentil, uma das quatro sedes do torneio, possa ser usada como uma
plataforma da oposição. O Gabão, porém, só jogaria lá em uma eventual disputa de
terceiro lugar. Mas é impossível prever qual será a reação da população se Ali
Bongo aparecer em algum estádio. Desde que conquistou sua independência da
França na década de 60 do século passado, o Gabão teve apenas três presidentes.
E Ali só está no comando atualmente porque o seu pai, Omar Bongo, faleceu em
2009 depois de quase 42 anos no poder.

SEM JOGAR

Dentro de campo, porém, Aubameyang e cia não querem saber de política. Cabeça
de chave do grupo A, o time também conta com o meia Lemina, da Juventus. O
primeiro desafio é a seleção estreante do torneio. Ex-colônia portuguesa até a
década de 70, Guiné-Bissau sonha em repetir o feito da seleção de Cristiano
Ronaldo na Euro e surpreender numa chave que ainda conta com Camarões e Burkina
Faso. As duas equipes também se enfrentam neste sábado, às 17h, em Libreville,
num jogo em que Camarões mais uma vez estará desfalcado. Na eterna guerra de
seus atletas com o comando do futebol local, sete jogadores desistiram de
disputar a competição. Entre eles, Matip, do Liverpool, e Choupo-Moting, do
Schalke 04.

Treze dos 23 jogadores de Guiné-Bissau atuam no futebol português, mas
somente em times de menor expressão. Nenhum deles tem o talento de um Ronaldo.
Mas há na seleção um candidato a Éder, português nascido em Bissau que fez o gol
do título da Euro. Trata-se do meia Zezinho, do Levadiakos, da Grécia. Ele será
o responsável por liderar em campo a equipe do técnico Baciro Candé. O time,
contudo, vem de um período de inatividade. Desde a classificação para o torneio,
Guiné-Bissau não conseguiu fazer sequer um amistoso. Já são quatro meses sem
jogar.

DIFERENÇAS COM A EUROPA

Se a Eurocopa é marcada pela organização, estádios com o torcedor próximo do
campo e seus gramados perfeitos, o cenário da Copa Africana é bem diferente.
Quase sempre se vê estádios com alambrados, piso de cimento e sem cadeiras,
aquele clima de alçapão e gramados esburacados que fazem a bola quicar como se
estivesse viva. O que não muda é a paixão do seu torcedor, sempre dançando e
cantando nas arquibancadas. Além das já folclóricas imagens de ?feitiçaria?.

As diferenças no futebol só refletem as dificuldades vividas pelo continente
africano. Dos 16 países que participam do torneio, apenas dois tem um Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) considerado alto: Argélia e Tunísia,
respectivamente, 83ª e 96ª no ranking do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento da ONU. O IDH é calculado a partir de dados de riqueza,
alfabetização, educação, esperança de vida e natalidade dos países. Dez deles
têm um desenvolvimento humano baixo. Em 110º lugar no ranking de 188 países, o
Gabão é considerado um país de desenvolvimento humano médio. O país tem na
exploração de petróleo a sua principal fonte de riqueza, mas a população
permanece majoritariamente pobre. Os 20% mais ricos ganham 90% do dinheiro que
circula no país. Um terço dos quase 1,5 milhão de habitantes vive na
pobreza.

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Outro dado que explica a dificuldade africana é o Índice Ibrahim de
Governança Africana, divulgado anualmente pela Fundação Mo Ibrahim e que avalia
os progressos no continente nos campos político, econômico e social. Numa escala
que vai até 100, a nação de maior nota entre as que estão na competição é Gana
(63,9). O Gabão tem uma nota 48,8, menor do que a avaliação do ano anterior.

Este cenário de dificuldades é conhecido por 109 dos 368 jogadores do torneio
que ainda atuam no continente africano. Mas as grandes estrelas são mesmo os
europeus. Entre os 238 atletas que atuam no continente (64,6% dos jogadores da
Copa Africana), há nomes como o argelino Mahrez, eleito o melhor jogador
africano do ano passado, o senegalês Sadio Mané, um dos destaques do Liverpool,
e o egipcio Salah, da Roma. A Inglaterra, aliás, perdeu 37 jogadores para a
competição. Número só inferior à França, que cedeu 57 atletas. Vários podem
ficar até 23 dias longe de seus clubes.

Pior para o Leicester City. Em 15º lugar na Premier League, o atual campeão
inglês perdeu três jogadores em um momento que está brigando contra o
rebaixamento. Além de Mahrez, o centroavante Slimani defenderá a Argélia,
enquanto Amartey jogará por Gana. Hull City, Stoke City, Watford, Sunderland,
Norwich, Arsenal, Bournemouth, Manchester United, Everton, West Ham e Crystal
Palace também terão que conviver com desfalques de maior ou menor
importância.

Do Crystal Palace virá a maior esperança dos atuais campeões. Depois das
despedidas de Drogba e Yayá Touré e com a lesão de Gervinho, a esperança de gols
recai sobre Wilfried Zaha. Caberá a ele e Kalou, do Hertha Berlin, tentarem
conduzir a seleção ao inédito bicampeonato em um torneio com as importantes ausências da Nigéria e da África do Sul.