Policial

Contrabando de cigarros tira R$ 11,5 bi de impostos

No Paraná, seis em cada dez cigarros consumidos são clandestinos

Guaíra – O vaivém de lanchas pelo Rio Paraná na região de Guaíra, Entre Rios do Oeste, Mercedes e Pato Bragado é frenético, principalmente à noite. Assim como já flagrado pelo Jornal O Paraná, elas chegam do lado de cá da fronteira com o Paraguai lotadas com cigarros ilegais que abastecem um mercado sedento pelo produto mais barato que o nacional, especialmente devido à carga tributária.

Somente na região oeste do Paraná atuam cerca de 30 quadrilhas que administram quase duas centenas de portos clandestinos ao longo do leito do Rio Paraná e do Lago de Itaipu. Juntas, elas movimentam com facilidade mais de R$ 2 bilhões com esse produto que, segundo pesquisa que acaba de ser divulgada pelo Ibope, realizada de abril a agosto deste ano, sustenta um mercado ilegal de cigarros que acaba de atingir um patamar inédito no Brasil.

De acordo com levantamento do instituto, 54% de todos os cigarros vendidos no País são ilegais, seis pontos percentuais a mais que em relação a 2017. Desse total, 92,5% vieram do Paraguai e o restante é produzido por empresas brasileiras que operam irregularmente.

Um dos efeitos negativos do crescimento do consumo de cigarros contrabandeados é o avanço na evasão fiscal. Em 2018, o Brasil deixará de arrecadar R$ 11,5 bilhões em impostos.

Para se ter uma ideia, esse valor é 160% superior ao orçamento da Polícia Federal para o ano e poderia ser revertido para a construção de 121 mil casas populares ou 6 mil creches, por exemplo. Pela primeira vez desde 2011, a evasão de impostos será maior do que a arrecadação, que deve fechar o ano em R$ 11,4 bilhões.

Motivos

O principal estímulo a esse crescimento é a enorme diferença tributária sobre o cigarro praticada nos dois países. O Brasil cobra em média 71% de impostos sobre o cigarro produzido legalmente no País, chegando a 90% em alguns estados, enquanto no Paraguai as taxas são de apenas 18%, a mais baixa da América Latina. Para se ter uma ideia, no Brasil o produto pode custar 128% a mais que o cigarro paraguaio.

Com isso, o mercado nacional foi inundado com mais de 57 bilhões de cigarros ilegais, enquanto o consumo de produtos brasileiros caiu para 48 bilhões de unidades, mesmo com aumento de 3,4% no consumo.

Crise econômica

Segundo o presidente do Etco (Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial), Edson Vismona, um fator perverso que contribui para o aumento do contrabando de cigarros é a crise brasileira, que faz consumidores buscarem alternativa mais barata. "O levantamento apontou que, mesmo gastando menos, os consumidores acabam fumando, em média, dois cigarros a mais por dia. Isso mostra que as políticas de redução de consumo adotadas pelo governo não estão sendo eficazes, por conta do crescimento do mercado ilegal", afirma Vismona.

Cenário preocupante no Paraná

Os dados verificados pelo Ibope no Paraná são ainda mais graves. Em 2018, o mercado de cigarros ilegais no Estado atingiu 59% do total consumido, equivalente a R$ 292 milhões que deixam de entrar nos cofres públicos como ICMS.

O mercado ilegal de cigarros já movimentou R$ 549 milhões no Paraná neste ano.

De 2015 a 2018, o mercado ilegal cresceu 22% em volume e sete pontos percentuais em participação de mercado. As marcas contrabandeadas mais populares no Paraná são Classic, com 34% de market share, Eight (8%) e Fox (5%).

Cigarro financia crime organizado

Dominado por criminosos como o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o Comando Vermelho, o contrabando de cigarros serve para financiar crimes como tráfico de drogas, armas e munições.

As duas marcas mais vendidas no País vêm do Paraguai: Eight, campeã de vendas com 15% de participação de mercado, e Gift, com 12%. Outras duas marcas fabricadas no país vizinho compõem a lista dos dez cigarros mais vendidos: Classic e San Marino (ambas com 3% de mercado).

Embora produzidas no Paraguai, essas marcas têm como alvo principal o mercado brasileiro, pois não são vendidas em seu país de origem. A marca Eight, por exemplo, vende maços com dez unidades, enquanto a legislação brasileira determina que os maços tenham 20 unidades. A introdução desses maços, que custam em média R$ 1,50, visa oferecer uma opção ainda mais barata para os consumidores.

O presidente do Etco, Edson Vismona, observa que, apesar das dificuldades, o governo paraguaio tem dado demonstrações de que pretende começar a agir contra o problema. "O país participou recentemente da Reunião das Partes do Protocolo para Eliminar o Mercado Ilegal de Produtos de Tabaco [MOP-1], movimento que mostra o comprometimento do novo governo com o combate ao contrabando de cigarros. O Paraguai também demonstrou interesse em sediar o evento em 2020, algo muito positivo", frisa Vismona, que também destacou a possibilidade que um projeto de lei possa ser apresentado na Câmara dos Deputados que prevê o aumento nos impostos sobre o cigarro para 40% seja aprovado em breve.
Fiscalização

Vismona reforça a importância de o governo brasileiro intensificar a fiscalização e o combate ao contrabando de cigarros, ao mesmo tempo em que estuda outras medidas que possam contribuir para a redução desse crime no Brasil.

A pesquisa

A pesquisa do Ibope foi realizada em 208 municípios de todo o País, alguns deles no Paraná, mas sem especificar quais, dentre eles Curitiba, por meio de entrevistas presenciais e com recolhimento dos maços de forma a garantir a precisão da informação. Foram ouvidos 8.266 consumidores fumantes de 18 a 64 anos. Após questionar o fumante sobre o cigarro que ele adquiria, os entrevistadores pediam para ver a carteira de cigarros, valendo a apresentação do produto. Os que se recusaram a apresentar o cigarro não constam na pesquisa.