Cotidiano

Contra a impunidade

Em fevereiro, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o réu condenado em segunda instância deve começar a cumprir pena de prisão em seguida à decisão colegiada. Até então, o entendimento da Corte era de que, mesmo condenado, ele poderia continuar livre até que se esgotassem todos os recursos interpostos em instâncias superiores (o Superior Tribunal de Justiça e o próprio STF). Ou seja, com a sentença transitada em julgado, alegadamente em obediência ao princípio da presunção de inocência.

O Supremo recompôs o entendimento prevalecente até 2009. Era um campo aberto para a inimputabilidade de fato, uma vez que, superada a segunda instância — em geral o limite até onde os tribunais se debruçam no julgamento do mérito de processos criminais —, a interposição de recursos levava à postergação se não infinita da pena, mas muitas vezes ao extremo da prescrição.

Ao proferir o voto na sessão de fevereiro, o ministro Teori Zavascki, relator do caso — o julgamento de recurso em favor de um réu condenado por roubo em São Paulo, cujo habeas corpus pedindo que respondesse ao processo em liberdade fora rejeitado pela Justiça estadual — definiu bem a que servem as chicanas que se escondem na interposição de seguidas apelações: “Ao invés de se constituir um instrumento de garantia da presunção de não culpabilidade do apenado, [os recursos] acabam representando um mecanismo inibidor da efetividade da jurisdição penal”.

De fato, recursos a cortes superiores costumam levantar questões processuais, contestações jurídicas e outras filigranas que não têm, como decorrência prática, o dom de contestar méritos da acusação, terreno dos tribunais das primeiras instâncias. Além de fechar as portas para chicanas, a decisão do STF ajuda a combater a morosidade de que se acusa a Justiça e, principalmente, a ideia correta de que, por moroso, o Judiciário estimula a impunidade.

Neste último aspecto, por sinal, reside um dos mais positivos efeitos da posição do STF. O país vive uma nova realidade no funcionamento do seu sistema jurídico com a Lava-Jato, a operação que investiga e pune esquemas de corrupção montados na Petrobras e outras estatais, e ampliados pelo lulopetismo. Nela, a possibilidade, tornada concreta com o entendimento da prisão a partir de decisão da segunda instância da Justiça, de as penas começarem a ser cumpridas de imediato tem estimulado as delações premiadas.

Sem as delações, e sem a agilização das penas, a Lava-Jato seria ferida de morte. Por isso, são preocupantes as articulações para que o STF reveja a decisão de fevereiro. A OAB e o Partido Ecológico Nacional (PEN) impetraram junto à Corte ações de declaração de inconstitucionalidade contra esse princípio. (Também no Congresso há movimentos nesse sentido, com projetos que visam a reverter o sistema jurídico ao antigo status). O Supremo ainda vai julgar as Adins — deveria fazê-lo esta semana, mas o assunto saiu de pauta. É crucial que os ministros não recuem.