Cotidiano

Consumidores ainda têm dificuldades de entender os rótulos dos alimentos

pasted image 0.pngRIO ? Os consumidores ainda têm dificuldades de entender as informações nutricionais contidas nas embalagens dos alimentos, embora algumas dessas características já sejam obrigatórias desde 2003, tais como quantidade de calorias, teor de sódio, gorduras e carboidratos, mostra pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). A regra tem o objetivo de informar o consumidor, mas 39,6% dos entrevistados dizem compreender parcialmente ou muito pouco da rotulagem nutricional. Entre os fatores apontados que dificultam o entendimento estão o tamanho da letra (61%), o uso de termos técnicos (51%), a poluição visual do rótulo (46,4%) e necessidade de cálculo das porções (41,6%).

De acordo com a pesquisadora e nutricionista do Idec, Ana Paula Bortoletto, tais falhas dificultam o direito à informação clara e correta, e algumas das melhorias são cobranças antigas, como a inclusão do açúcar na tabela nutricional (apoiado por 98,3%) e a padronização da informação por 100g ou por embalagem e não por porção, o que foi defendido por 80% dos entrevistados.

Ana Paula ressalta que o Idec defende também que a lista de ingredientes tenha maior destaque na embalagem, com maior tamanho de letra e contraste de cores, e que sejam apresentados os percentuais referentes às quantidades dos ingredientes principais.

? Também entendemos que o excesso de apelos sobre a composição ou a supostos benefícios à saúde devem ser coibidos pelas autoridades sanitárias e de defesa do consumidor, pois levam a população ao engano ? acrescenta a nutricionista.

? As pessoas não entendem os rótulos de uma forma geral. Elas querem mais clareza. A partir daí elas podem avaliar, na prática, o quanto aquelas informações são úteis para fazerem escolhas de alimentação saudáveis e seguras para a saúde. O consumidor em geral tem estado mais atento. Existe uma preocupação maior, independentemente se por estética ou saúde ? afirma a jornalista e estudante de nutrição Mariana Claudino, uma das coordenadoras do movimento ?Põe no Rótulo?.

Segundo Mariana, o consumidor tenta identificar o que há nos rótulos porque quer saber o que se come, seja através da leitura da tabela nutricional ou da lista de ingredientes:

? A quantidade de açúcar, sal e gordura, por exemplo, consumidos em excesso, está diretamente relacionada a diabetes e à hipertensão ? e o número de pessoas hipertensas no Brasil tem crescido de forma avassaladora. O comportamento do consumidor hoje, em relação aos rótulos, não é o mesmo de 10 anos atrás.

Cyntia Oliveira, coordenadora do curso de nutrição do Centro Universitário Celso Lisboa, acrescenta que, com o crescente consumo de alimentos industrializados, é importante que o consumidor esteja muito bem esclarecido sobre o que está comprando.

? A melhor forma de melhorar as informações contidas nos rótulos é através de pesquisas que observem quais as dificuldades e observações incorretas dos consumidores para que os planos de ação possam ser melhor direcionados.

Ela, no entanto, observo que não há uma preocupação geral dos consumidores em consultar os rótulos das embalagens. Isso só ocorre, segundo Cynthia, com consumidores que estão com sobrepeso e obesos, e querem emagrecer, ou que apresentam alguma restrição alimentar. Outro público atento é o de praticantes de exercício físico. Em geral, afirma a nutricionista, os consumidores são ?seduzidos? apenas pelo preço ou por frases de efeito destacadas nos rótulos:

? Em minhas experiências em trabalhos de campo envolvendo práticas de Educação Nutricional, em que o tema é rotulagem, verifico que geralmente as pessoas ou não observam os valores nutricionais ou não conseguem ver alegando que a ?informação está escondida? ou ?não consigo enxergar? ou ainda ?não entendo como avaliar?.

Outra questão que confunde os consumidores são alegações de características especiais, afirma Cynthia. Alguns de seus clientes relataram mais de uma vez consumir determinados óleos vegetais, pois nele continha os dizeres ?não contém colesterol?, o que induzia os mesmos a acreditar que os outros óleos continham vegetais. Felizmente, completa, a Legislação agora obriga que seja escrito ?óleo sem colesterol como todo óleo vegetal?. De qualquer forma, ressalta, este é um ponto de atenção.

Além da falta de clareza, com tantos nomes técnicos ou estrangeiros, a jornalista Mariana Claudino lembra que as letras dos rótulos são minúsculas e muitas vezes escondidas.

? Não pode acontecer isso, porque os produtos industrializados são verdadeiras caixinhas de surpresa, e os ultraprocessados têm ingredientes que a gente não consegue traduzir ? e o consumidor em sua maioria não faz a mínima ideia do que são. A tabela nutricional em geral varia muito de produto para produto, não existe unidade em relação às porções. O que está na tabela nutricional em relação à porção de um cereal matinal, por exemplo, é equivalente a uma xícara de café, mas as pessoas na prática comem mais do que essa porção. Então é preciso, às vezes, triplicar o que está na tabela para calcular de forma correta o que está sendo ingerido. E aí as quantidades ficam muito altas e levam o consumidor ao erro. Esses erros, ao longo do tempo, podem causar consequências graves de saúde.

Consumidor apoia o rótulo frontal

O levantamento do Idec indica que, para 93,3% dos entrevistados, a informação na frente da embalagem ajudaria a compreensão. A proposta é uma das mudanças na rotulagem defendida pelo Idec e permite que o consumidor identifique a composição de produtos não saudáveis com mais rapidez.

Durante o estudo, foram apresentados modelos de rótulos frontais, e o utilizado pelo Equador obteve 71,2% de aprovação. Ele tem como base um semáforo e indica se o alimento tem baixo, médio ou alto (verde, amarelo e vermelho) teor crítico de nutrientes. Outros países, como Reino Unido e Austrália, também já seguem as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) de inserir de forma fácil a informação nutricional na frente da embalagem.

Para o Idec, os resultados do levantamento demonstram a preocupação dos consumidores com a alimentação e seu apoio a melhorias. Além disso, completa Ana Paula, este tipo de pesquisa é importante para pressionar as autoridades a acelerarem o processo de atualização das regras de rotulagem vigentes e para alertar os consumidores sobre a importância de ler atentamente as informações dos rótulos.

A pesquisadora do instituto diz ser importante destacar que a atualização das regras de rotulagem nutricional é uma medida necessária para a prevenção e controle da obesidade e outras doenças crônicas relacionadas à má alimentação, além de contribuir para o cumprimento do direito do consumidor à informação clara e precisa sobre os alimentos ultraprocessados e os riscos à saúde que eles podem apresentar.

? Quanto mais clara for a informação na embalagem é mais fácil de o consumidor fazer escolhas seguras. A embalagem muitas vezes induz o consumidor a pensar que o produto X é supostamente fit e que ele pode comer sem culpa, mas quando a gente compara as tabelas nutricionais, muitas vezes ele tem a mesma quantidade de açúcar de um biscoito recheado ou a mesma quantidade de gordura de uma batata frita de pacote. Para que destacar que um determinado produto tem ?ferro e vitaminas? se a quantidade desses nutrientes é mínima e mal serão absorvidos na digestão? ? completa Mariana.

O levantamento, realizado entre os dias 13 e 23 de junho deste ano, teve a participação de 2.651 internautas, dos quais 73,2% são mulheres; 31,4% têm ensino superior; 40,2% são pós-graduados; e 54,2% vivem na região Sudeste. Dentre os entrevistados, 34,8% disseram compreender quase totalmente os rótulos; 31,1% parcialmente; 25,1% totalmente; 8,5% afirmaram entender muito pouco; e 0,4% quase nada.

Alimentos alergênicos

Mãe de uma criança com alergia à proteína do leite, Mariana lembra que a norma que determina que seja colocado um alerta sobre alimentos causadores de alergia nos rótulos foi aprovada por unanimidade e o grupo ?Põe no Rótulo? tem acompanhado aqueles que já estão saindo das fábricas já adequados. Mas ressalta que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária tem que ficar atenta e fiscalizar caso alguma empresa ainda não tenha compreendido a relevância desse assunto.

A especialista do Idec, por sua vez, lembra que o instituto apoia a regulamentação da informação sobre alimentos alergênicos desde o início e está acompanhando a implementação das regras:

? Entendemos que nessa etapa o papel da fiscalização das autoridades sanitárias é fundamental.