Opinião

Coluna Direito da Família: Filhos: afeto e cuidado

 

Dra. Giovanna Back Franco

Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas

 

Instituição é uma estrutura social que rege as estruturas do Estado. Dentre as instituições importantes no Estado democrático de Direito estão os poderes que se complementam e se autocontrolam, dado pela teoria de Montesquieu, as escolas e a família. A ruptura de quaisquer destas, dada pela intromissão de um poder sobre o outro ou a modificação do formato em que se apresenta, abala o fundamento da sociedade, como uma rachadura na viga mestra da construção.

As instituições são salutares para formatar a estrutura e os costumes do Estado, cujo poder não deve ser potestativo, mas sim um poder-dever, dando ensejo a obrigações com relação aos demais. Dessa forma, o Estado, quando democrático, tem obrigações para com seus cidadãos, verdadeiros detentores da soberania, a escola tem obrigações para com seus educandos, de formação pedagógica e moral, e a família, tem inúmeras obrigações para com seus membros, desde alimentar até o dever de cuidado.

Os pais são responsáveis pelos filhos menores, a partir do que se chama de poder familiar, o que leva a um complexo de deveres, como educação, criação, guarda, vigilância, saúde, alimentação, dentre outros, tendo em vista a vulnerabilidade dos menores em se autoproverem. Em certo momento da história, a visão sobre os menores era diferente, os “mini-adultos” eram indivíduos para correição dos modos e costumes, a fim de que se moldassem às necessidades familiares e sociais. Por uma crença de que o “mau comportamento” fosse fruto de possessões demoníacas ou falta de iniciação religiosa, às crianças eram infligidos castigos, autorizados pelo Estados, na medida que era direito potestativo dos pais, assim como as penas corporais, de preferência em praça pública, para os “delinquentes” estavam na alçada do poder potestativo do Estado sobre os infratores.

No entanto, o pensamento ocidental modificou-se, há alguns séculos, para compreender a dimensão da dignidade do ser humano, não restrita a poucos cidadãos, mas garantidas a todos, inclusive ao nascituro (aquele que ainda não nasceu). Nesse sentido, o Estado passa a ser garantidor dos direitos dos seus cidadãos, em vista da dignidade destes, e os pais também passam a ser guardiães com relação aos seus filhos, buscando a plenitude de sua dignidade, passando a ter obrigação inclusive de uma educação positiva, de “correção” pelo amor e pelo afeto.

Juntamente a isto, remanesce a definição da obrigação do dever de cuidado e vigilância. Aos pais é incumbida a guarda dos filhos menores, independentemente de sua situação conjugal, visto que sua vulnerabilidade os impossibilita de responder por si só por seus atos. Assim, cabe aos pais manter vigilância sobre seus filhos, em qualquer situação, sendo que a negligência é punida pelo Direito.

Em outras palavras, se os filhos menores causam danos a terceiros, estes devem ser reparados pelos pais ou responsáveis legais, na medida em que o dano decorreu, indiretamente, da falta de cuidado dos pais com seus filhos. É o caso do filho que quebra algo de outrem ou quando comete um ilícito, como bullying na escola. Frise-se, porém, que está sendo tratada a responsabilidade cível dos pais, ou seja, de reparação pecuniária, afinal no que tange à esfera penal, a pena decorrente do ilícito jamais transpassa o infrator.

Se, por outro lado, o filho sofre algum dano, por algum acidente que decorre da falta de cuidado dos pais, estes também são responsáveis, por negligência, como ocorreu na semana passada com a criança que veio a óbito no Carnaval. No entanto, a responsabilidade dos pais não isenta a responsabilidade de terceiros, quando estes faltam com o dever de cuidado, também devido em qualquer atividade realizada. Podem ser responsabilidades cumuladas e não exclusiva.

No entanto, um ponto crucial, na prática, é que é humanamente impossível ser vigilante 24h, 7 dias por semana. Há necessidade de trocar de guarda, com certa regularidade. Daí porque a responsabilidade deve ser compartilhada entre os pais, quando possível, pois embora se espere uma mãe sacrossanta, ela continua humana, dependendo de uma rede de apoio, não só do genitor, mas de todos que a cerquem. Aliás, a Constituição impõe o dever de cuidado com os menores a toda sociedade, na garantia de sua dignidade, pois pertencemos a mesma tribo e deveria haver mútuo cuidado entre todos, e em especial com os mais vulneráveis.