Opinião

Coluna Direito da Família: Banalidade da violência

Coluna Direito da Família: Banalidade da violência

 

Dra. Giovanna Back Franco

Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas

 

Recentes episódios de violência gratuita inundaram os telejornais, inclusive locais, trazendo a necessidade de reflexão. A sociedade, desde sua origem, foi permeada por conflitos, pois as esferas de direitos e interesses dos indivíduos necessariamente se chocam em algum momento. No entanto, conflito não é sinônimo de violência, pois esta está além dos choques de interesses, está no poder e na submissão.

Ainda que houvesse o Direito, este, enquanto discurso, protegia seus constituintes (que, aliás, ousavam dizer que era fruto do desejo de entidade etérea). Naquele momento, a sociedade dava azo à submissão de todos ao homem proprietário, chefe familiar. Proprietário até mesmo dos corpos alheios e de suas vontades, especialmente quando feminino.

Aliás, este seguiu oprimido por longa data, pois, a incerteza da paternidade era barreira intransponível, até o DNA. A mulher, enquanto janela entre o terreno e o divino, teve seu útero controlado, não só por rosários, mas por força bruta, do suposto sexo mais forte, tendo controle moral e de conduta diariamente. Assim, como ocorre com o ovo e a galinha de Clarice Lispector, acaba distorcida a força feminina que há na capacidade de criar vida.

A violência, então, é forma de dominação e submissão que permeia as relações interpessoais, ainda que sutil, por meio de discursos aparentemente morais e éticos, como as normas que regem a sociedade. O Direito, então, fundamentou, por muito tempo, a submissão da mulher frente ao homem, mesmo no seio familiar, sendo considerada relativamente incapaz até pouco tempo, isto é, dependia do marido para promover seus atos da vida civil.

A equiparação dos sexos veio com a Constituição Federal, mas por muitas vezes foi letra natimorta, nem chegou a suspirar. Por isso, a igualdade de gêneros dependia de luta diária, afinal, os direitos fundamentais são fruto de afirmação histórica (mesmo que a história seja contada pelos vencedores). Portanto, fez-se necessária a criação de legislações mais garantidoras à isonomia, como a lei Maria da Penha, voltada à punição dos atos de submissão e de violência.

Para sua configuração, a violência deve ocorrer no âmbito da unidade doméstica (de onde deveria ser lar), nas relações familiares e nas relações íntimas de afeto, independente de coabitação. Alcança, dessa forma, esposa, companheira, filha, mãe, sogra, cunhada, prima, sobrinha,…. Pode ser desde violência física até moral, passando por financeira, sexual e psicológica, muitas vezes cumulativas e progressivas, mas que de alguma forma degradam a vítima pela intolerância quanto ao seu gênero. E a intolerância só se aniquila pela intolerância frente à violência, ensina o filósofo Karl Popper.

A banalidade do mal parece mais clarividente em tiros à queima roupa, mas que também está na limitação do exercício de direitos, garantida a quem é declarado incapaz. Assim, ainda que a mulher não seja mais incapaz, nos termos da lei, como fora, não é incomum limitar sua autonomia ao rotulá-la de “louca”, porque aos loucos calamos, afastamos e apenas toleramos. A violência pode ser sub-reptícia e também se esconder nos supostos atos de bondade, de uma mulher que decide exercer seus direitos sexuais. Embora se lute pela cultura da paz, a violência atende aos interesses de alguém e por isso se perpetua e submete, ainda que com docilidade.