Opinião

Coluna Direito da Família: A vulnerabilidade e o poder

Coluna Direito da Família: A vulnerabilidade e o poder

 

Dra. Giovanna Back Franco

Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas

 

“Elas são fáceis porque são pobres” é absurdo, porém é condenado na medida em que é publicizado, pois traduz as opiniões de milhares de homens que nesse momento condenam diante da imoralidade da fala, mas que não rejeitam os benefícios que a sexualidade lhes traz. Esse fato trouxe à lume a certeza que falar de sexualidade é também falar de poder. A prostituição é vestígio da hierarquia sexual em que o corpo da mulher (quando não sua alma) torna-se moeda de troca. E isso fica mais latente na guerra, quando a lei e a moral estão suspensas, e enquanto os homens enfrentam a linha de frente munidos de fuzis, as mulheres remanescem, na batalha pela vida, com os vulneráveis.

No entanto, é ingenuidade pensar que o discurso da sexualidade relaciona-se tão somente entre homens e mulheres, na busca herculiana pela isonomia, pois ele perpassa também a família, aquela sacralizada pela moral cristã. Crianças e adolescentes também encaram a face mais sombria do poder dos homens sobre os vulneráveis.

A sexualidade faz parte do desenvolvimento do ser humano enquanto indivíduo autônomo e o acompanha desde o seu nascimento até sua morte. Embora seja um tabu, é assunto que deve ser enfrentado pelos pais no seu dever de criação dos filhos menores, pois intrinsecamente relacionado aos direitos de saúde, informação e conhecimento, podendo ser método eficaz na prevenção de gravidez precoce e transmissão de infecções sexualmente transmissíveis. Certamente, que tal assunto demanda a compreensão de que o conhecimento se dá em estágios e que deve ser abordado de forma transversal e leve.

Muitos pais, certamente, bradarão que não sabem como introduzir o tema, até porque muitos não têm experiência nesse sentido, nunca falaram com os seus pais sobre isso. No entanto, ainda que seja obrigação dos pais, também o é do Estado, por meio das instituições de ensino. Sim, a escola é palco democrático e científico suficiente para tratar do tema sem menores dissabores, desde que o faça de forma objetiva. Isso não é incentivo do ato sexual, mas sim o reconhecimento sobre a sexualidade, seja ela sadia, seja ela defectiva.

Fundamental se faz tratar do assunto, inclusive, para reconhecer sinais de abusos que tantas vezes ocorrem no seio da família. A violência sexual não se faz tímida para adentrar nos lares e sentar para tomar uma xícara de café. Ela não é distante, não está apenas nas “mulheres fáceis”, está no poder sobre o destino de vidas, de corpos e de almas que tantas vezes são dependentes financeira e afetivamente, afinal, sexualiade é poder. Como ficaria nesse caso a educação sexual dos abusados nos casos de homeschooling?

Enquanto presos no modelo do núcleo familiar do pater familias, com poder incontestável sobre os seus, não haverá controle externo de seus atos. Por isso a importância da intromissão do Estado nas famílias, limitando sua autonomia privada em prol da proteção dos direitos dos vulneráveis. Contudo, na lacuna destes, que o menor seja capaz de conhecer seus direitos e entender que são donos dos seus corpos.

Aliás, devem entender também que a sexualidade é um conjunto de questões que vão além da reprodução, perpassam também as questões de gênero (brinquedo ou roupa de menino ou de menina), que ainda amarram as estruturas da sociedade binária entre homem e mulher. Nessa compreensão de poder atrelada à sexualidade, talvez as crianças de hoje possam agir para entender cada ser em sua individualidade, independente de gênero, e que este não seja empecilho para o desenvolvimento pessoal. Que no futuro, as crianças de hoje e as mulheres do amanhã não tenham medo de andar na rua, de ser astronauta, de viver sem o medo constante sobre seus corpos e suas almas, sejam pobres ou não, mas com a certeza de que sua família é seu lar (lugar de amor e respeito).