Cotidiano

Colapso penitenciário é risco para a segurança pública

Não são novas as evidências de que o sistema penitenciário fluminense está em colapso. O caos nas prisões sinaliza que as portas dos presídios guardam a entrada para um mundo desconectado da civilidade ? pela violência na rotina dos detentos, pela corrupção nas relações entre apenados e agentes do poder público e pela virtual substituição do poder legítimo do Estado pelo domínio de fato de facções criminosas no controle interno da vida da população carcerária. De resto, o caos não é exclusividade da rede de presídios do Estado do Rio: as masmorras são um pesadelo nacional.

O que empresta mais gravidade a uma situação cujos aspectos dramáticos só costumam vir à tona diante de picos de descontrole é que agora a identidade do colapso tem a assinatura do próprio poder público. Num documento entregue ao secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, mas cujo destinatário final é o governador em exercício, Francisco Dornelles, o juiz titular da Vara de Execuções Penais, Eduardo Perez Oberg, sublinha explicitamente o tamanho da tragédia. Na sua avaliação, a Secretaria de Administração Penitenciária perdeu para uma facção criminosa o controle da população carcerária fluminense.

Não é o tipo de denúncia para a qual se pode fechar os olhos. A autoridade de quem tem a responsabilidade de administrar uma massa de 40 mil presos torna o alerta muito grave. Pela situação em si, que visivelmente se deteriora diante da inépcia (ou inapetência política) de um poder público que, omisso, trata o tema como se crises dentro das celas não dissessem respeito à segurança pública como um todo. E pela circunstância de que um documento oficial chancela todas as cobranças às autoridades no que diz respeito a o que fazer diante de uma situação insustentável.

A denúncia do juiz da VEP desce a detalhes que robustecem o seu efeito como peça de cobrança. O magistrado se refere à gestão do sistema como ?permissiva, malfeita, descabida e sem qualquer política penitenciária definida?. Entre o que se relata no documento, há a entrada indiscriminada de celulares, drogas e munição, a saída ilegal de presos e até mesmo a contratação, por detentos, de serviços de entrega de uma rede de fast food. Explicitamente, ecoa a denúncia, também já conhecida, de que ordens para a prática de crimes nas ruas partem de dentro das prisões.

Esse é um dos vieses mais graves do colapso do sistema penitenciário. Outro, é a renúncia do Estado ao papel correcional das prisões. Em vez de recuperar presos, as prisões, superlotadas e sem respeito a direitos humanos comezinhos, lhes consolidam a opção para o crime.

A denúncia do juiz tem um detonador pontual ? a crise que respingou no sistema com o episódio do resgate de um traficante no Hospital Souza Aguiar. É um particularidade adjacente à também circunstancial questão de que o Rio está às vésperas da Olimpíada. O risco de um colapso penitenciário que transborde para a segurança pública ganha uma dimensão que precisa ser mitigada.