Cotidiano

Clonagem é um grande negócio 20 anos depois da ovelha Dolly

RIO – Em 5 de julho de 1996, uma ovelha nasceu em um estábulo do Instituto Roslin, da
Universidade de Edimburgo, Escócia, num evento que iria assombrar o mundo quando
anunciado poucos meses depois, em fevereiro de 1997. Batizada Dolly, ela não era
uma ovelha comum, mas o primeiro clone de um mamífero produzido a partir de uma
célula de um animal adulto, ou seja, numa cópia genética perfeita deste. De lá
para cá, a clonagem de animais passou de feito científico a grande negócio,
revolucionando a criação de rebanhos e, mais recentemente, ganhando força no
mercado de animais de estimação, em que o preço de uma cópia de um cachorro pode
chegar a US$ 100 mil (cerca de R$ 350 mil).

? Nestes 20 anos, a clonagem deixou de ser uma curiosidade científica para
ganhar várias aplicações práticas ? diz Maurício Machaim Franco, pesquisador da
Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, braço da Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária responsável pela produção dos primeiros clones animais
brasileiros: as vacas Vitória, criada em 2001 a partir de uma célula embrionária
(de animal ainda não nascido); e Lenda, criada em 2003 e finalmente uma cópia de
animal adulto, como Dolly. ? A partir daí, vimos não só que a clonagem era
possível como tinha um vasto potencial. Tanto que hoje a técnica é de amplo uso
comercial na melhoria de rebanhos e já é estudada para a criação de animais
transgênicos que produzam medicamentos e no resgate de espécies em risco de
extinção.

ANIMAIS DE ALTO MÉRITO GENÉTICO

No melhoramento de rebanhos, ainda hoje a principal aplicação prática da
clonagem, Lenda é um exemplo claro. A vaca leiteira da raça holandesa é cópia de
outra com mesmo nome e capacidades lendárias: durante seus sete anos de vida, a
Lenda original, nascida em 1995 numa fazenda em Goiás, forneceu cerca de 40 mil
litros de leite, mais de cinco vezes a produtividade de uma vaca ?normal? para o
período, além de ter dado à luz cinco bezerros. Assim, quando ela morreu
prematuramente em um acidente em 2002, seu dono recorreu à Embrapa para
recuperar tamanho ?patrimônio genético?.clonagem

? Um alto mérito genético como o de Lenda é um dos principais motivadores
para a clonagem de um animal ? explica Franco. ? Isso porque ainda é caro fazer
um clone. Mas estes animais são verdadeiros melhoradores de rebanhos, já que
seus filhos produzem bem mais do que a média dos outros.

Copiar vacas e touros excepcionais se tornou uma
lucrativa empreitada e, o Brasil, lar de um dos maiores rebanhos bovinos do
mundo, um atrativo mercado. Aqui, uma das empresas pioneiras e líderes neste
setor é a In Vitro Clonagem Animal, que desde 2005 já produziu 163 clones de
bovinos e outros nove de equinos. A veterinária Perla Fleury, sócia-fundadora e
diretora comercial da companhia, conta que o preço inicial para fazer um clone
de vaca ou touro na In Vitro é R$ 58 mil, mas o valor pode cair dependendo do
número de embriões implantados que ?vingarem?, ficando em R$ 24 mil para o
segundo clone que nascer no mesmo processo e R$ 15 mil a partir da terceira
cópia. Já no caso de equinos, em que o processo é mais complicado e ineficiente,
o custo sobe para R$ 100 mil o primeiro, e geralmente único, clone.

? Hoje, até os donos já exploram comercialmente seus clones para além de vender
apenas o sêmen de um touro ? destaca Perla. ? Recentemente, tivemos o caso de um
criador que tinha uma vaca excepcional da raça senepol (de corte e nova
?queridinha? dos pecuaristas brasileiros) que já tinha feito uma ?carreira? de
grande mérito genético no mercado. Ele não queria se desfazer da original, então
fez um clone dela conosco por R$ 58 mil e logo vendeu 50% da cópia por R$ 580
mil.

Segundo Perla, também é crescente o interesse dos
criadores na clonagem como uma espécie de ?seguro biológico? para se prevenir de
infortúnios como o de Lenda. Nestes casos, em geral a In Vitro apenas recolhe e
preserva o material genético do animal, sem produzir um clone imediatamente, o
que reduz em muito o investimento inicial. Desta forma, além de bovinos e
equinos, a empresa está aceitando guardar o DNA de caprinos e ovinos, espécies
de criação comercial para as quais ainda não oferece clonagem, e de cães e
gatos, já que pretende entrar no crescente mercado de cópias de animais de
estimação num prazo de cinco anos.

Neste mercado, outras empresas estão bem à frente. Pioneira nessa área, a
fundação de pesquisas sul-coreana Sooam Biotech, que também faz clones de
bovinos e suínos, até hoje já produziu 690 cães clonados, a um custo atual de
US$ 100 mil por cópia. Além de cara, a clonagem de animais de estimação vem
sendo discutida, já que não é uma garantia de ter o bichinho de volta ?
pesquisas com vacas e porcos clonados mostram diferenças marcantes no
comportamento dos animais e o mesmo, apesar de ainda não comprovado, pode
acontecer com cães e gatos. Outro senão da técnica é que, em alguns países, a clonagem é considerada tortura animal por ativistas.

CRIAÇÃO EM SÉRIE

Apesar das polêmicas, Jae Woong Wang, pesquisador da Sooam, diz que as perspectivas para o futuro são promissoras, com mais espécies sendo agregadas às já oferecidas e a promessa de criação em série de animais transgênicos para baratear a produção de medicamentos. A expectativa é tamanha que no fim do ano passado o governo chinês anunciou investimento de US$ 31 milhões para uma ?fábrica de clones?.

? Se fizermos uma analogia da clonagem com a culinária,
podemos dizer que no passado estávamos na fase do tempero, com a tecnologia
ainda na sua infância e desenvolvimento ? compara Wang. ? Hoje, estamos no
momento de cozinhar, em que usamos a tecnologia ativamente, preparando o uso em
grande escala. No futuro próximo apresentaremos o prato, com os resultados do
desenvolvimento da clonagem beneficiando grande parte da população e trazendo
mais bem-estar para a Humanidade.

Já nos EUA, a ViaGen, uma das maiores empresas americanas no setor de
clonagem de animais comerciais, criou ano passado uma unidade, a ViaGen Pets,
exclusivamente para fazer cópias de cães e gatos. Com representante também no
Brasil, a empresa oferece clonar cães de estimação por US$ 50 mil, enquanto a
cópia de um gato sai por US$ 25 mil. Segundo Andrew Lavin, porta-voz da ViaGen
Pets, os animais vêm com ?garantia? de passar em avaliações veterinárias,
devendo viver vidas tão longas e saudáveis quanto os originais.