Cotidiano

Chicungunha: as dores de uma doença silenciosa

RIO – A advogada Patrícia Alessandra Felisberto passou
mais de seis meses em 2016 prostrada em casa, com dores pelo corpo. Teve
momentos em que não conseguia pentear o cabelo e que escovar os dentes era um
ato simplesmente torturante. O calvário começou em maio do ano passado, quando
ela caiu de cama com chicungunha. Nove meses depois, ela ainda sofre as
consequências do vírus. A sensação de fadiga é grande, e a dormência na região
das articulações permanece. Patrícia chegou a ficar impossibilitada de
trabalhar, um dos dramas que envolvem a doença, cujo tempo de tratamento ainda é
incerto. Em termos de epidemia, o vírus da chicungunha é, dos transmitidos pelo
Aedes aegypti, o que mais preocupa as autoridades hoje.

A Secretaria municipal de Saúde já alertou para a
possibilidade de metade da população carioca ser infectada com chicungunha, por
falta de imunidade. A taxa de ataque (potencial de pessoas que podem contrair a
doença pela primeira vez), de acordo com a Fiocruz, é de 30% a 50%. No ano
passado, ela matou 14 pessoas e deixou 14 mil doentes na cidade. No estado,
pelos últimos dados (nos quais faltavam informações de algumas cidades), foram
mais de 15 mil casos em 2016. Em janeiro deste ano, até o último dia 23, o
número de notificações era de 57 na capital.

Patrícia sabe todo o mal que uma picada de
Aedes infectado é capaz de provocar. A doença começou silenciosa: a
princípio, ela só sentia um cansaço muito grande, além de ter febre alta. Em
seguida, vieram os inchaços. Mas os sintomas evoluíram até o ponto em que ela
perdeu a mobilidade. Ombros, pulsos, mãos, pés e cotovelos: tudo doía. O corpo
amanhecia enrijecido, impedindo que ela se levantasse. Não conseguia mais
escovar os dentes, fazer um suco ou café de manhã. A advogada, de 43 anos,
peregrinou por vários médicos no ano passado. Só a partir do Natal, após um
tratamento novo, com medicação antirreumática, que a saúde deu sinais de
melhora.

? No segundo semestre de 2016, eu não existi ? resume a
advogada, que mora na Freguesia. ? Eu não conseguia dirigir nem trabalhar. A dor
da chicungunha me limitava demais. Na semana do Natal, melhorei, mas a doença é
autoimune, o próprio corpo te ataca. Fui à praia dois dias e peguei um resfriado
e uma infecção nos tímpanos. E sempre fui extremamente saudável. Fora isso,
tudo, o próprio tratamento, que é com corticoide, agride muito o corpo. Você
fica inchada e, parada em casa, acaba engordando. A chicungunha mexe com a
autoestima, mexe com a vida profissional. Você acha que nunca vai melhorar.

O cotovelo ainda está inchado e sensível, e Patrícia, se
dorme na mesma posição, acorda com os ombros doloridos. As articulações dos
dedos ainda são dormentes, e o cansaço nos pés é grande:

? Não é um cansaço comum. Parece que o corpo faz um esforço a mais para que
eu me mantenha em pé.

DOENTES CRÔNICOS CHEGAM A 30%

O reumatologista José Fernando Verztman, membro da
Sociedade Brasileira de Reumatologia e médico do Hospital dos Servidores, diz
que a maioria dos doentes apresenta um quadro articular agudo e que 30%
desenvolvem um quadro crônico. Nos casos mais graves, os médicos têm prescrito
antirreumáticos. Pelo desconhecimento inicial em relação à doença, muitos
pacientes em situação crônica demoraram a receber o tratamento adequado. Se em
um mês não há melhoras com analgésicos, um especialista deve ser procurado.
Verztman explica que a chicungunha tem um complicador

? Ela pode ser um gatilho para outras doenças, como artrite reumatoide e a
síndrome do túnel do carpo, que é uma compressão do nervo mediano que leva à
dormência na mão. A pessoa que tem uma predisposição genética acaba
desenvolvendo a doença.

Em fevereiro de 2016, a dona de casa Gerusa Souza, de 54
anos, viu o irmão, que mora com ela, em São João de Meriti, ficar de cama por
cinco dias com uma febre de 40 graus, manchas vermelhas e um lado do corpo
paralisado. Quinze dias depois, foi a vez de Gerusa. Só que, diferentemente do
irmão, há quase um ano ela tenta se livrar das sequelas da doença, que levou à
artrite reumatoide. Ela tem diabetes e hipertensão, o que torna o tratamento
mais lento. Gerusa se cuida com reumatologista e faz fisioterapia e
acupuntura.

? Antes da chicungunha, nunca tive problema nas articulações. Hoje não
consigo me abaixar. E já melhorei 70%. Mas do ombro até a mão dá choque, dói. E
o joelho, que ainda está inchado, não posso dobrar ainda direito. Não consigo
descer e subir escada, sinto muita câimbra na perna ? relata Gerusa, que cuida
do irmão e de uma filha, ambos com necessidades especiais, e ficou por pelo
menos três meses só deitada.

Mulheres acima dos 40 anos e pessoas com doença
reumática prévia, além de idosos, são as mais suscetíveis. Médicos ainda estudam
quando parar o tratamento nos casos crônicos. Na literatura médica, consta que
um percentual pequeno de doentes
pode sofrer com dores por anos.