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Cerimônia de abertura da Paralimpíada foi uma festa marcada pelo tom político

Tão uniforme quanto a ?ola? que uniu todo o público do Maracanã foram as vaias ouvidas na noite desta quarta na cerimônia de abertura da Paralimpíada ao menor indício de aparições e citações ao governo federal, fossem em discursos ou pessoalmente. O presidente Michel Temer foi vaiado de novo no Maracanã. Ele já tinha sido vaiado na festa que marcou o início dos Jogos Olímpicos, em agosto. Nesta quarta, a poucos minutos do começo da solenidade, parte do público entoou gritos de ?Fora, Temer?. Pelo menos uma faixa com a frase circulava na arquibancada. Depois, foi vaiado ao declarar aberta a Paralimpíada.

No gramado, antes da festa, o escritor Marcelo Rubens Paiva, um dos diretores artísticos do evento, gritou ?Viva a democracia”.

? Foi para não falar em golpe. Ficou bom para todo mundo e não agride ninguém. A democracia está ameaçada em vários sentidos, pela polícia de São Paulo, no Congresso. O contexto está implícito ? disse ao GLOBO.

cerimônia de abertura

Temer também foi alvo de uma gafe. O guia distribuído para a imprensa com as informações sobre a cerimônia de abertura o chamava, em dois momentos, de ?presidente da República em exercício?. No trecho em inglês, ele foi citado como ?acting president?. O Comitê Rio-2016 explicou que o roteiro já estava impresso há pelo menos um mês, quando ainda não havia uma definição sobre a data do fim do processo de impeachment.

O discurso do presidente do Comitê Rio-2016, Carlos Arthur Nuzman, foi interrompido por vaias quando ele falou na importância da União entre as esferas de governo para a realização da Paralimpíada. Depois, uma outra parcela do público aplaudiu. Também foram ouvidos gritos de ?Brasil? e ?Fora, Temer?.

Fora do tom político, a falta de informação, tão questionada por quem comprou ingressos na Olimpíada, continuou marcante. O cadeirante Marcos Nunes, atleta de badminton adaptado, foi parar no anel superior do Maracanã e só foi descobrir o local ideal para os cadeirantes, que fica no anel inferior, quase na segunda metade da festa.

Já os cadeirantes Constantino Zografopoulos e Ana Paula Monteiro contaram que esse problema causou situações constrangedoras.

? A acessibilidade está boa. Tem banheiros adaptados que funcionam bem. Mas, por falta de informação, eu vi voluntários levando cadeirantes no banheiro comum e colocando-os de pé para fazer suas necessidades. Esse tipo de situação não era para estar acontecendo ? afirmou Constantino.

O fotógrafo Victor Wang circulava de cadeira de rodas pelo quinto andar do estádio em busca de um ângulo menos ruim para fotografar a festa no campo. Também sentiu falta de informação sobre o posicionamento adequado para ele.

? Tenho um setor específico, mas ninguém sabe onde fica. Eu estou tentando fazer a foto e circulando pelo anel para achar a brecha ? disse, antes de cruzar com Rubens Paiva, com quem conversou e fez algumas fotos.

FILAS E FALTA DE ALIMENTOS

Outros problemas recorrentes nos primeiros dias da Olimpíada, a falta de alimentos e as longas filas ? tanto em restaurantes quanto nos banheiros do Maracanã ? também foram detectados na cerimônia de abertura da Paralimpíada.

No quinto andar do estádio, as lanchonetes apresentaram longas filas nos caixas, apesar de o público ser pequeno em relação ao registrado durante a Olimpíada. Menos de uma hora após o início da cerimônia, não havia sanduíches no andar, onde estão localizadas tribunas de imprensa e parte dos assentos destinados ao público, informavam as funcionárias. As alternativas no ?cardápio? foram saquinhos de batata frita, amendoim e biscoito.

Para ir ao banheiro, as mulheres precisaram ter paciência. As filas dos femininos eram grandes e muitas relataram que não havia cabines suficientes para todas, o que causou o transtorno, inexistente no lado masculino.

Poucos guichês para a troca dos ingressos na entrada do estádio, o som alto demais e com muito eco enquanto Fernanda Lima e Marcelo Rubens Paiva faziam a apresentação de introdução à cerimônia e a falta de iluminação na área externa do anel superior foram outros problemas detectados durante a festa de abertura.

CLIMA DE UNIÃO

Com o coração nas mãos. Não por aflição, mas por alegria. Assim ficou o público enquanto a entrada das delegações ajudava a montar o quebra-cabeça cenográfico no meio-campo do Maracanã que reproduziu o principal órgão do corpo humano e pulsou junto com as palmas.

Os aplausos e gritos de apoio ao atletas se misturaram à batida funk que serviu de trilha sonora para o desfile de modelos de todos os tipos, fosse no gramado ou nas arquibancadas, embalados pela ?ola? que uniu corpos e mentes.

Prova que a festa era de todos, desde o anônimo voluntário ao cadeirante radical Aaron Fotheringham, conhecido como ?Wheels? (Rodas), que saltou com sua cadeira de rodas por uma rampa, foi a participação do presidente do Comitê Paraolímpico Internacional (IPC), Philip Craven. Fotheringham teve papel de estrela na cerimônia de abertura.

Coube ao dirigente representar o personagem principal da primeira cena gravada anteriormente do evento, que foi exibida nos telões do estádio e nos aparelhos digitais mundo afora. O britânico de 66 anos, ex-atleta de basquete de cadeira de rodas durante o período de 1962 a 1978, apareceu arrumando as malas para sua viagem ao Brasil e depois, já de passagem por diversos pontos turísticos nacionais, observou pessoas praticando esportes nas ruas. No fim, Philip Craven foi saudado ao ser iluminado pelos holofotes do estádio em uma tribuna, acenando para o público, com sorriso largo. Uma simpatia. Para ele, nada de vaias. Somente aplausos.