Saúde

CENSURA DE DADOS: TCU quer assumir divulgação sobre covid-19; MPF e oposição vão à Justiça

"Apagar os números é apagar a memória de cada um que se foi", diz procuradora

(Brasília - DF, 18/03/2020) Coletiva à Imprensa do Presidente da República, Jair Bolsonaro e Ministros de Estado.
Foto: Carolina Antunes/PR
(Brasília - DF, 18/03/2020) Coletiva à Imprensa do Presidente da República, Jair Bolsonaro e Ministros de Estado. Foto: Carolina Antunes/PR

O atraso proposital na divulgação e a omissão de informações sobre os dados do avanço da covid-19 no Brasil começam a mobilizar instituições para reverter a manobra de censura adotada pelo Governo Bolsonaro. Nessa semana, o boletim passou a ser divulgado após as 22h, o Ministério da Saúde cancelou as coletivas diárias adotadas desde fevereiro e esvaziou os dados disponíveis no próprio site.

A censura ficou explícita e o temor é de que os dados comecem a ser manipulados, especialmente após o futuro secretário da Saúde Carlos Wizard adiantar que a pretensão é “recontar” os mortos por suspeita de dados inflados propositalmen te.

O TCU (Tribunal de Contas da União), em parceria com os Tribunais de Contas Estaduais (TCEs), poderá assumir a responsabilidade de fazer a consolidação de dados diários da covid-19. Já parlamentares da oposição devem apresentar ações na Justiça contra o atraso na divulgação de dados. O MPF (Ministério Público Federal) deu 48 horas para o governo explicar a omissão.

A possibilidade de assumir a divulgação já foi discutida pelo ministro do TCU Bruno Dantas e pelo presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), Fábio Nogueira.

A ideia é de que os tribunais estaduais contatem Secretarias de Saúde estaduais, de modo a recolher as informações sobre a evolução da doença até as 18h de cada dia. A partir daí, esses dados seriam enviados ao TCU para consolidação e posterior divulgação das informações.

“O Estado tem obrigação com a sociedade de prestar informações verdadeiras em tempo hábil para que medidas e decisões sanitárias sejam tomadas, levando em consideração o quadro real do País”, disse Bruno Dantas. “Os tribunais dos Estados podem fazer essas solicitações às secretarias estaduais. É uma ação cooperativa. O ideal era que o governo superasse os problemas que têm, já que a publicidade das informações é um dos cinco princípios da Constituição. Se o ministério divulgasse diariamente como vinha fazendo, não seria preciso. Mas, no momento em que as estatísticas desaparecem, as pessoas têm de ter acesso às informações.”

Fábio Nogueira, presidente da Atricon, disse que não se trata de assumir o papel que é do governo, mas de garantir a prestação de um serviço fundamental à sociedade. “Estamos analisando como isso pode ser feito. Os TCEs estão à disposição para colaborar .”

Câmara

O Ministério Público Federal também já analisa o atraso e a omissão dos dados pelo governo federal e deve atuar. “Pura omissão de informações, dolosa. Como na época da ditadura, com a meningite”, avaliou uma procuradora ouvida reservadamente pelo jornal O Estado de S. Paulo. “Apagar os números é apagar a memória de cada um que se foi.”

A Rede Sustentabilidade deve apresentar uma ação ao Supremo Tribunal Federal.

O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) afirmou que deverá seguir o mesmo caminho, e representará o Planalto no Tribunal de Contas da União para que seja assegurada a divulgação de números verdadeiros.

O líder do PT na Câmara, Enio Verri (PR), também confirmou que o partido vai protocolar ação pedindo transparência nos dados. Ainda nessa linha, o PDT avalia medidas judiciais e o PCdoB vai subscrever ações da oposição.

Para driblar o atraso na divulgação de dados da doença pela União, o líder da oposição na Câmara dos Deputados, deputado André Figueiredo (PDT-CE), apresentará na segunda-feira projeto de lei para determinar que os números de infectados e mortos pela covid-19 sejam repassados pelas secretarias estaduais à Câmara dos Deputados ao mesmo tempo em que são dados ao governo.

“Vamos sistematizar os dados pelo Parlamento e daremos a publicidade que o governo não quer dar”, afirmou Figueiredo. “A transparência é um dever do poder público e o presidente da República vem tratando com desdém o sofrimento de 35 mil famílias que perderam entes para o novo coronavírus.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. André Borges, Lorenna Rodrigues, Paulo Roberto Netto e Rayssa Motta – Estadão Conteúdo